A PONTE DAS FADAS - Conto Clássico Fantástico - Henry-Desestangs
A PONTE DAS FADAS
Henry-Desestangs
(Sec. XX)
Tradução de Paulo Soriano
Era uma vez, na pitoresca região dos Vosges, em Gérardmer, um caçador tão belo, tão sedutor e tão atlético que não havia senhora ou moça que não se encantasse por ele.
Perseguindo os mais selvagens animais e desprezando perigos, alegrava-se quando um cervo ou um javali caía sob seus golpes. De manhãzinha, ao surgir da fresca aurora, atravessando os espinheiros e a vegetação orvalhante, punha-se a caminho, sempre atento, sem nunca perder a sua presa.
E assim passava todo o dia.
Voltava sempre o caçador à sua cabana (morava numa cabana e não num palácio, porque tão pobre quanto belo) quando a noite há muito se instalara, e, num raio de vinte e cinco léguas, as pessoas comentavam a sua coragem, sua destreza. Embora o produto de sua caça fosse sempre vendido, dando-lhe um bom rendimento, tinha ele, sob o seu sustento, oito irmãos e oito irmãs mais novos, e se empenhava com que nada lhes faltasse. Às vezes, até se privava de comida, feliz se aqueles a quem amava tivessem o quanto precisavam. Ele havia prometido aos pais que, quando estes morressem, bem cuidaria dos dezesseis irmãos.
Como fartas eram as suas capturas, ele se vestia de peles, e esse traje se adequava perfeitamente à sua beleza masculina. Muitas garotas ficariam felizes em tê-lo como marido, porque, como dissemos acima, eram todas loucas por ele. Mas o caçador, sem tempo ou disposição para elas, sequer as olhava, eis que a todas considerava extremamente feias.
Também havia outra razão… Uma velha — uma fada campestre, conforme se dizia — que esteve no seu nascimento e que fora a sua madrinha, garantira que ele seria belo e corajoso, e que iria alcançar as mais altas distinções, se, no entanto, não se deixasse seduzir por nenhuma mulher. Ele sabia disso e mantinha-se em guarda.
***
Um dia, perseguia ele, desde a madrugada, uma corça, à qual não conseguira alcançar antes do meio-dia. Sentiu-se, assim, tão cansado que adormeceu sobre as samambaia, à sombra das grandes árvores e às margens de uma torrente, cuja água translúcida e espumosa caía de cascata em cascata. Ali, na densa floresta, o ar era deveras prazeroso. Uma velha ponte, construída, inteiramente de pedras, há séculos e séculos, pelas ágeis mãos das fadas, unia as encostas das montanhas vizinhas. Com os olhos fechados, o caçador parecia mergulhado em sonhos deliciosos, e sua beleza tinha um brilho resplandecente.
Dormia, pois, embalado pelo canto dos pássaros e pelo bater das ondas, quando, de repente, sentiu-se beijado na face. Exibia-se, à sua frente, a mais extraordinária visão de sua vida: uma mulher, mais linda que o dia, ali estava, olhando para ele. Seus olhos eram verde-mar, suas faces rosadas e seus lábios da cor de coral. Seus cabelos louros dourados caíam-lhe aos pés, ocultando um corpo admirável, onde brilhavam algumas gotas de água iridescente, como se fossem pérolas. Ela sorriu para o caçador com a mais amável das expressões.
Deslumbrado com tantos encantos, ele pensou que ainda sonhava. As palavras lhe ficaram presas na garganta e os seus pensamentos completamente absortos naquela mulher…
***
Ela se aproximou, envolveu o pescoço do jovem com os braços brancos de alabastro, e, numa voz que semelhava música celestial, disse-lhe:
— Ó meu belo caçador, por que não correspondes ao meu beijo? Acaso eu te assusto?... Sou eu quem te protege, e que, com meus talentos, zela por ti de longe, à noite, quando descansas; e vigia-te durante o dia, quando corres pelos bosques. O meu espírito te segue por toda parte e, sem cessar, afasta de ti todos os males!... Vem... Vem a mim, oh meu belo caçador!
Comovido com tal discurso, ele se sentiu tão entusiasmado que se ajoelhou diante dela, exclamando:
— Oh, não! Tu és tão bela e amável que eu não tenho medo de ti; de ti que, como dizes, sempre me proteges! Oh, não! Não tenho medo de ti!…
E ele garante à dama que a ama mais do que a si mesmo. Aperta-a ardentemente contra o peito e cobre-lhe as mãos de beijos.
Ela contempla-o com um sorriso e continua:
— Ó meu belo caçador, vem!... Vem ao meu palácio de cristal, onde os anos passam mais rápido que os dias; onde vivemos felizes com inúmeros prazeres e com alegrias sem fim; onde o clima é sempre esplêndido, onde a paz é perpétua! Vem ao meu palácio de cristal! Vem, ó meu belo caçador!...
Ela beija-o, acaricia-o, aperta-o ainda mais em seus braços. Seduzido, ele deixa-se levar e, pouco a pouco, cede. Ambos rolam, entrelaçados, pelo musgo e, depois, pelo caminho. Ela o leva até a margem da torrente… Eles já tocam as algas verdes. Ela beija-o, beija-o de novo, e então, de repente, sentindo toda a sua pujança, ri alto e atira-se com ele nas águas profundas!…
***
O caçador lançou um alto brado, a torrente emitiu um surdo rugido, que ressoou ao longe, vindo da montanha. Depois, tudo se acalmou: a água límpida voltou a cair de cascata em cascata, os pássaros retomaram os cantos e os velhos abetos puseram-se a oscilar suavemente, balançados pelo vento…
Jamais o caçador voltou à sua cabana, onde os seus oito irmãos e irmãs mais mais jovens morreram de fome. Mas, no campo, ainda se fala dele. O local onde ele desapareceu é alvo de um medo supersticioso. Desde então, as pessoas tremem ao passar por lá e, durante as longas noites de inverno, nas vigílias das pobres cabanas, as velhas contam às crianças atônitas a história do jovem caçador, diante das lareiras acesas.
Assustadas, as crianças escutam esta história, pois dizem-lhes que, às vezes, à meia-noite, os antigos ecos das florestas verdes dos Vosges ainda reverberam os gritos assustadores que o caçador solta das profundezas das águas, ou que do fundo das ondas se ouvem canções de amor de divina melodia. Nela, a voz forte e masculina daquele que já não existe e a voz encantadora e terna da sereia, com olhos verdes e lábios de coral, se entrelaçam em doce harmonia…
Fonte: Le Pays Lorrain, Nanci, França, 1908.
Ilustração da portada: PS/Copilot.
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