ALUCINAÇÃO - Narrativa Clássica de Loucura - Walter Scott
ALUCINAÇÃO
Walter Scott
(1771 – 1832)
A pessoa a quem rendemos as nossas curiosas observações é um comerciante de vinhos, de quarenta e seis anos, chamado P…
No dia 24 de julho passado, ele ficou repentinamente atordoado, permanecendo quatro horas sem conseguir pronunciar uma só palavra. Foi, então, tomado por uma convulsão. Chamado um médico, o doutor receitou a aplicação de dezesseis sanguessugas, oito de cada lado das orelhas.
O ataque desapareceu, o paciente ficou perfeitamente calmo e, ao longo do dia, não apresentou nada de especial.
Mas, no dia seguinte, às duas horas da tarde, estando no seu quarto, vislumbrou, com muita nitidez, um homem, em tamanho natural, que, calmamente, cortou em pedaços o jornal que tinha na mão.
Essa alucinação durou algum tempo. Depois, sobreveio-lhe profunda tranquilidade.
Todavia, à noite, estando em sua cama, e tendo acabado de apagar a luz, viu surgirem quatro acrobatas perfeitamente indumentados, que lhe falavam por sinais. Os saltimbancos tomam um pó marrom, jogam-no pela sala, e imediatamente aquele pó se transformou em uma série de animais, como cobras, sapos, lagartos e outros entes que P… alega nunca ter visto antes.
Chamou, então, a esposa. Esta chegou e acendeu novamente a lamparina. Os acrobatas, porém, continuavam a lançar aqueles bichos. A mobília ficou prontamente coberta de répteis, e a cama, principalmente, encheu-se daqueles amimais. O marido pediu à esposa que fosse buscar uma banheira e nele colocasse os répteis. Enquanto isso, com a mão, tentava afastá-los o máximo possível. Novamente, dirigiu-se à esposa e pediu-lhe que fosse apanhar cinco francos no balcão e os entregasse aos acrobatas, para que pudesse evadir.
A pobre infeliz, assustada, desceu e logo trouxe de volta o dinheiro solicitado. O marido ofereceu o dinheiro aos acrobatas, mas eles riram-lhe na cara e continuaram seus feitiços. Ele, então, foi dominado por uma fúria extrema. Quis levantar-se. A esposa tenta contê-lo, mas não conseguiu. A agitação do paciente só aumentava. Pediu uma faca para golpear aqueles desgraçados. Finalmente, aquelas ameaças fizeram os acrobatas irem embora.
Infelizmente, mal tinham os acrobatas desaparecido, o paciente escutou o ruído de perfuratriz nas paredes. Logo as paredes foram perfuradas e, pelos buracos assim formados, infiltrou-se um pó, que não demorou a se transformar em pássaros e sapos, que voavam e saltavam por todos os lados.
A ira do paciente só aumentou e três pessoas tiveram grande dificuldade em levá-lo de volta à cama.
P… permaneceu nesse estado até a manhã seguinte. Chegou, então, o Dr. Judée, que relatou o ocorrido na Gazeta do Hospital. O médico receitou-lhe trinta gotas de amônia com julepo para que tomasse durante o dia. As alucinações persistiram e o paciente experimentou uma alucinação muito incomum. Viu, em sua cômoda, uma mulher muito pequena, com cerca oito dedos de altura, que, encostada à moldura do espelho, se divertia quebrando o relógio, cujos cacos voavam pelo quarto.
Por volta das quatro horas, quiseram obrigá-lo a comer. A princípio, ele recusou. Fizeram-no, contudo, engolir alguns bocados. Mas, cada vez que pegava uma porção, cobria-a com a mão, para não ser envenenado pelos pós que as pessoas tentavam jogar sobre ele. Isso não o impediu de descobrir que tinham um sabor muito pronunciado de chumbo. P... havia trabalhado com chumbo antes de se tornar comerciante de vinhos.
Apesar da gravidade de seu estado, foi obrigado a levantar-se por volta das cinco horas para visitar um dos seus amigos. No caminho, ele foi perseguido no por um daqueles acrobatas que já o tinham atormentado tanto. Aquele acrobata retirou sapos do bolso, que, imediatamente, começaram a pular em volta de P... Entretanto, quando o doente chegou a casa de seu amigo, o homem dos sapos amedrontou-se e se escondeu atrás de uma árvore. P... contou o que lhe sucedera às pessoas que o acompanhavam. Estas puseram-se, então, a rir e o doente começou a suspeitar de seu estado.
Durante a noite, ainda teve algumas alucinações, que obstaram o seu sono. Mas, no dia seguinte, as alucinações cessaram e não reapareceram. O Dr. Judée ainda lhe deu amônia por alguns dias, como simples medida de precaução, tomando o cuidado de reduzir gradativamente aquela dose.
Versão em português de Paulo Soriano, a partir da tradução ao francês de M. A. de Ghesnel, apud Diccionaire de Supertitions, Erreurs, Préjugés et Traditions Populaires, J.-P. Maigne Editor, Paris, 1856.
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