O LOBISOMEM DA BRETANHA - Conto Clássico de Terror - Amélie Bosquet
O LOBISOMEM DA BRETANHA
Amélie Bosquet (1815 – 1904)
Tradução de Paulo Soriano
Havia na Bretanha um nobre senhor, tão belo e bondoso que era uma maravilha; era amado e respeitado por seus vizinhos e gozava da consideração de seu príncipe. Ele havia se casado com uma nobre senhora, que parecia amá-lo profundamente. A senhora teria, de fato, extraído imensa felicidade daquela união, mas havia uma circunstância que a preocupava: o seu senhor tinha o hábito de se ausentar três dias por semana, e ninguém sabia de seu destino à época. Certo dia, porém, quando ele voltava para casa com ternura e alegria, a senhora, depois de muitas circunlocuções, aventurou-se a interrogá-lo sobre o ponto que tanto fazia questão de esclarecer. Tocado pelos modos graciosos da esposa, o senhor concordou em satisfazê-la: confessou-lhe que, durante os três dias em que a deixava, tornara-se lobisomem.
A senhora, pressionando-o com novas perguntas, quis saber se, quando da transformação, ele continuava vestido e, ao responder que ficava nu, ela voltou a insistir, querendo saber onde ele havia deixado a roupa.
Desta vez, o senhor recusou-se terminantemente a satisfazer a curiosidade da esposa.
—Se eu perdesse as minhas roupas — disse ele — ou, mesmo, se fosse visto quando delas me despojo, estaria condenado a permanecer como lobo até que elas me fossem devolvidas.
A senhora protestou contra a falta de confiança do marido: o que fez ela para merecer a sua estima e o que ele teria a temer ao revelar-lhe o seu segredo?
Mais uma vez comovido, o pobre lobisomem respondeu, com toda a sinceridade:
— Próximo a uma encruzilhada na floresta, à beira do caminho, há uma antiga capela, cujo abrigo me é favorável. Ali, sob um arbusto, há uma pedra oca, onde escondo minhas roupas até voltar para casa.
A senhora, deveras assustada com aquela confiança, descobriu que sua intimidade com um lobisomem era muito maior do que ela desejaria. Ela, então, planejou separar-se dele e, em verdade, o fez traiçoeiramente, como uma mulher que bem conhece todos os ardis de seu sexo.
Havia, nas redondezas, um cavaleiro que morria de amores por aquela dama. Até então, ela havia sido extremamente fria para com ele. Chegara, todavia, o momento de mudar de atitude. Assim, enviou-lhe uma mensagem, convidando-o e dizendo-lhe que estava disposta a aceitar seu amor e seus serviços. O cavaleiro chegou-lhe com grande entusiasmo. A entrevista foi decisiva: trocaram um grande número de juramentos e, estando a intimidade suficientemente estabelecida, a senhora ordenou ao cavaleiro que fosse buscar as roupas do marido no local onde estavam depositadas. Ao mesmo tempo, disse-lhe o que aconteceria se ele o fizesse. Desde então, o marido não mais apareceu. Seus amigos e parentes em vão o procuraram. Algum tempo depois da perda do marido, a senhora casou-se com o cavaleiro por quem estava apaixonada.
Entretanto, o rei, que já não caçava há um ano, estava desejoso de se divertir. Foi, então, à floresta onde se escondia o lobisomem, que os cães descobriram assim que foram liberados. Perseguiram o pobre animal o dia todo, causando-lhe diversos ferimentos, pois os cães atacaram-no ferozmente, e os caçadores já estavam prestes a fazer-lhe uma maldade. Foi então que a fera viu o rei. Sem demora, o lobo correu até ele para pedir-lhe proteção.
A princípio, o rei ficou muito assustado. Todavia, tendo recuperado a calma, ficou surpreso com a sua captura e ordenou aos presentes que regressassem ao castelo, dizendo-lhes que o dia tinha sido bastante favorável e que não havia necessidade de continuar a caça. O lobo tornou-se o favorito de toda a corte; passava o dia entre os cavaleiros e dormia apenas aos pés do monarca.
Ora, eis o que aconteceu durante uma seção plenária do rei, para o qual, para maior solenidade, ele havia convidado todos os seus barões e seus vassalos. O cavaleiro, que se casara com a mulher do lobisomem, a ela compareceu. Contudo, assim que nosso lobo o viu, lançou-se sobre ele, mordeu-o e o feriu profundamente. Todos ficaram surpresos com esta explosão de fúria, que não era habitual àquele lobo. Portanto, as pessoas estavam convencidas de que ele só agira daquela maneira por algum ignorado motivo de vingança.
Algum tempo depois, o rei voltou à caça na floresta onde encontrara o lobo. Informada de que a corte passava nas proximidades, a esposa infiel pediu uma audiência para presentear o monarca. O seu pedido foi atendido. Mas, assim que a perversa mulher entrou na câmara real, o lobo jogou-se sobre ela, tal qual havia feito ao seu marido, e arrancou-lhe o nariz.
O lobo foi ameaçado por todos os lados. E teria sido infalivelmente feito em pedaços se um homem sábio não tivesse vindo em sua defesa. A pedido daquele prudente homem, o rei mandou prender a mulher, para que ela fosse obrigada, se soubesse, a confessar o motivo que levava o animal a odiá-la. Assustada, a senhora confessou a traição de que era culpada e disse que supunha que aquele não fosse outro senão o seu primeiro marido. O rei, então, exigiu que ela trouxesse de volta as roupas que havia furtado. Essas roupas foram colocadas diante do lobo que a princípio não pareceu prestar-lhe atenção. E, para surpresa de todos, o sábio , que se fizera seu protetor, observou que era provável que o lobo não quisesse vestir-se novamente em público, para não ser visto durante sua metamorfose.
O rei deu ouvidos às prudentes observações de seu conselheiro e conduziu o lobo aos seus aposentos, onde o deixou em paz.
Algumas horas depois, ao regressar aos seus aposentos, acompanhado por dois barões, viu o cavaleiro dormindo na cama real. Ao encontrá-lo, o rei não conseguiu controlar sua alegria. Correu para abraçar seu favorito e não se cansou de dizer-lhe como estava feliz em vê-lo novamente. Devolveu-lhe todas as terras que possuía antes de sua metamorfose e acrescentou a essa restituição outros presentes magníficos.
A mulher infiel foi expulsa do país, assim como o homem que a ajudou a levar a cabo a sua traição. Posteriormente, tiveram eles vários filhos, cujo reconhecimento não era difícil, porque todas as mulheres desta linhagem nasceram sem nariz, e, em consequência desta estranha circunstância, receberam a alcunha de desnarigadas.
Excerto de “La Normandie Romanesque et Merveilleuse”, J. Techener Editor, Ruão,1845.
Eu achei bem feito o que houve com essa vadia traidora, BEM FEITO! (≧▽≦)
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