SÓROR FÁBIA - Conto Clássico Cruel - Coelho Neto


 

SOROR FÁBIA

Coelho Neto

(1864 – 1934)



O tribunal monástico ia julgar a pecadora acusada de crime nefando.

Em torno da mesa, freiras, velhas e moças, com os rosários no colo, os capuzes caídos, o rosto baixo, oravam pela criminosa.

Ardiam círios em tocheiros enormes e o sino do convento, de vez em vez, plangente e fúnebre, desferia um melancólico gemido.

O mártir Jesus era o juiz que, do alto do negro cruzeiro, presidia o julgamento.

Soror Fábia, de joelhos, esperava a sentença.

A um canto da sala ardia um braseiro estalidante.

A um tempo as freiras todas persignaram-se houve um ruído sinistro e os rostos pálidos das ascetas voltaram-se para a condenada.

Nem uma palavra, nem um movimento.

A brasa estalava de quando em quando, vermelha e sinistra.

A um gesto da superiora quatro monjas ergueram-se e, dirigindo-se a soror Fábia, em nome de Jesus, fizeram-na sentar-se em um grabato. Tomaram-lhe os pequenos pés brancos e cor-de-rosa na palma — tomaram-lhe os pequenos pés, enquanto uma velha corria ao braseiro para examinar a espátula candente.

O sino gemia de momento a momento.

Confesse, soror Fábia! — exigiu a superiora. —Acusam-na de um ato iníquo, acusam-na de um pecado revoltante. Confesse, soror Fábia!

A vítima sorria.

Uma pancada seca sobre a mesa foi o sinal da superiora. A velha freira tomou a espátula do braseiro e, acocorando-se, encostou-a na palma cor-de-rosa do pequenino pé da pecadora.

A carne chiou e a espátula, à força da pressão, curvou-se.

A vítima sorria.

Confesse, soror Fábia! — tornou a superiora friamente.

Nem uma palavra; os olhos apenas, fitos no juiz crucificado, pareciam pedir perdão.

A executora aqueceu de novo a espátula e aplicou-a ao outro pé da freira.

As lágrimas saltaram-lhe dos olhos… e a mísera sorria.

Confesse, soror Fábia!

Um gemido repercutiu na sala baixa e lôbrega, e a freirinha, lavada em pranto, falou soluçando:

O ferro do suplício abrasa, mas ainda é pouco, irmãs religiosas, é muito pouco ainda para obrigar-me a trair o meu segredo. Mais queima um beijo. Um recebi eu, foi em tempos que vão longe! entretanto abrasa-me o coração, abrasa-me ainda a alma esse primeiro e único que recebi na boca. Apesar de queimar com mais intensidade não confessei que o amava, amando-o como a minha melancolia de hoje afirma.

E vós, religiosas, e vós, boas irmãs, exigis que eu o denuncie, queimando apenas as plantas dos meus pés a fogo lento. Incendeia-me o coração! Incendeia minha alma que nem assim o sabereis! Nas cinzas do meu corpo não descobrireis o nome do que amo, irmãs.

Nunca descobrireis!”

Dizendo estas palavras, caiu desfalecida no grabato.

Foi justiçada à noite, à hora da meia-noite; nunca, porém, as velhas monjas conseguiram saber quem era o cavaleiro, que, pelo tempo dos luares, vinha cantar amores debaixo da ogiva escura da cela de soror Fábia.

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