O FUNESTO CARLOS BENTO - Conto de Terror - João de Arlekinom
O FUNESTO CARLOS BENTO
João de Arlekinom
Um acontecimento ocorrido no passado em alguma fazenda nos arredores de Barra do Corda no Maranhão
Quando Carlos Bento morreu, poucos imaginavam que ele voltaria dos mortos. Até porque é de conhecimento geral que um homem morto é um homem morto e ponto final.
O fato de um homem tão detestável como aquele ter voltado dos mortos somente torna as coisas mais estranhas, pois quando Deus concedeu poder aos profetas para reviverem os homens, havia um bom motivo para isso e esperava-se trazer ensinamentos ao povo. Quando Jesus reviveu o filho da viúva de Naim, foi porque se condoeu com a dor que aquela mãe sentia. E quando Eliseu reviveu o filho do casal de Suném, foi porque o garoto era fruto de uma profecia que fora cumprida pela fé daquele casal.
Mas o que poderia explicar a volta de Carlos Bento? Era possível, e muitos acreditavam nesta hipótese, que provavelmente o homem fora trazido de volta por obra do próprio Diabo, seja como forma de zombaria, ou porque este tinha alguma dívida com o homem.
O fato era que Carlos Bento era o mais mesquinho dos homens, um miserável, cheio de luxúrias e de ódio contra aqueles que o contrariavam. Muito rico em bens materiais é verdade, porém, miserável e pobre de espírito, que era logo justamente o lugar mais importante para qualquer ser que se denomine humano.
Os parentes não tinham muito amor por ele e aprenderam bem cedo que não era bom pegar dinheiro emprestado daquele senhor, pois ele cobrava com bastante persistência e caso o devedor não tivesse no momento condição para quitar as dívidas, Bento tratava logo de tomar do endividado o que ele tivesse de valor. Seu Walter aprendeu isso na prática, perdera metade de seu gado para poder ficar livre das obrigações para com Bento, pois este o infernizou a vida até que ele pagasse o que lhe era devido com relação a uma partida de cartas que saíra como vencedor.
Por um dote bem gordo, aceitou dar a filha em casamento para um fazendeiro velho e gordo, mesmo que essa estivesse apaixonada por um vaqueiro.
—E por acaso eu gastei tanto com você para te entregar a um pé rapado qualquer!? Não… investi muito em você, e agora receberei meu retorno. Com o gado é a mesma coisa, não jogo um grão de ração fora alimentando um animal doente — ele dissera certa vez.
Tio Nenzin foi obrigado a ceder metade de suas terras para Carlos Bento, depois que perdeu uma aposta na dama; ficou tão raivoso por não ter tal dívida perdoada que nunca mais apareceu na fazenda de Bento.
— Aposta é aposta; quem não paga, rouba!
Ele amava tanto o dinheiro que havia contratado os serviços de um certo xamã da aldeia dos Cricatis, para lhe fazer feitiços que o fizessem atrair mais dinheiro. É claro que depois do prejuízo que tivera com alguns dos seus investimentos, não voltara a acreditar em tais misticismos e também foi atrás do xamã para pegar seu dinheiro de volta.
Porém, houve um dia em que uma moeda caiu do seu bolso enquanto vigiava os servos na plantação de algodão. Foi então que os fatos ficam obscuros, pois alguns disseram que foi Chico Maia, mas este jurou de pé junto que não pegou a moeda. Carlos Bento afirma que ele pegou sim, e outros dizem que fora um negro que partiu da fazenda. O fato é que Carlos Bento jurara o homem de morte se ele não lhe devolvesse aquela moeda.
— Seu ladrão miserável, cadê meu tostão? — gritou Bento para o coitado do Chico, que cortava as canas.
— Meu sinhor, eu num sei que moeda é essa, eu juro — pelejou Chico, tentando argumentar com o temível Carlos.
— Deixe de mentira, homem; acha que sou um abestado nascido ontem?
Como se pode notar, a conversa não rumou por bons caminhos e acabou com o pobre Chico levando umas bolachas.
— Olha aqui seu miserável, se até amanhã tu não tiver me reembolsado desse dinheiro, eu te mato! Ouviu? Eu mato você!
Antes de ter a chance de cumprir a promessa, Carlos Bento morreu. Dizem que foi do coração, pela grande tristeza por ter perdido a moeda que tanto gostava.
No dia da cerimônia de enterro, antes do sepultamento, o padre conduzia as orações pedindo a intercessão de Maria pela alma do falecido; na ocasião, quando o padre disse “Misericórdia, Senhor, por esta alma ser de um homem tão generoso…” escutou-se alguém rindo baixinho. Carlos Bento nunca foi um bom católico, apesar de sempre frequentar todas as missas de forma fervorosa.
Seu Felizardo, pai de Bento, que já não andava muito bem da cachola há muito tempo, disse “meio-dia e esse vagabundo dormindo… que desgraça eu fiz de errado criando este menino?”.
Depois de sepultado, o padre rezou um terço e no final todos foram para a casa do falecido.
Naquela noite fizeram um banquete. Geralmente as refeições eram mirradas, pois Carlos não gostava de gastar muito dinheiro, dizia que era porque pesava sua consciência comer fartos pratos enquanto tantos pereciam de fome. Mas todos sabiam que era porque ele não queria gastar seu dinheiro. Mas agora seria diferente, dali por diante seria o tempo das vacas gordas e não haveria mais espaço para a mesquinharia, até o Tio Nenzin apareceu para festejar junto dos outros. Jamais um velório fora tão festejado.
Eis que quando a família Bento jantava, um vaqueiro adentrou a casa correndo e sem fôlego e disse:
— O seu Carlos Bento tá vivo! Eu vi ele andando pelo pasto! Era assombração, coisa do diabo! Ele balbuciava: ‘agora me acerto com aquele bandido’. Estava todo sujo de terra!
Os parentes, incrédulos, achando que o homem havia ficado maluco.
Nem morreu, e já voltou? — disse Tio Nenzin.
Saíram correndo até a cova para conferir e ter certeza que o Carlos Bento estava lá dentro. Mas, chegando lá, viram que o túmulo estava vazio.
— Meu Deus! Seu vigário, será que o homem virou morto vivo? — questionou Dona Cláudia.
O vigário fez o sinal da cruz, estava morrendo de medo.
—Pois eu acho que o vaqueiro estava atordoado pela cachaça. O certo é que roubaram o corpo. Por qual motivo? Não sei — duvidava Seu Roberto.
Naquela hora chegou a cozinheira correndo vindo da casa.
— Meu Deus, povo! É o seu Carlos Bento! Ele entrou na casa. Tava morrendo de raiva, foi até o quarto dele e pegou sua arma dizendo que ia matar um ladrão. Quando vi o rosto dele todo coberto por terra e os olhos brancos, eu desmaiei!
— Agora pronto, mais essa agora? É uma mísera mesmo — falou Seu Walter.
Então todos correram, atravessaram o campo em direção ao antigo engenho onde o Chico Maia dormia junto de outros companheiros. Enquanto se aproximavam, ouviram cinco tiros ressoarem de dentro da velha construção.
Ao chegarem no lugar, encontraram Chico Maia mortinho da Silva, dentro da rede. O senhor que dormia no mesmo aposento relatou que o seu Carlos Bento havia entrado na sala e dito “acorda seu safado! Que agora vamos acertar as contas!” e então encheu o coitado do Chico de chumbo. Depois de ter matado o pobre homem, seu Carlos procurou nos bolsos do moribundo por alguma coisa e, quando achou o que tanto buscava, ele soltou um riso medonho de felicidade e foi embora, deixando só o cadáver de Chico Maia para trás, com os olhos arregalados devido ao espanto.
Todos se entreolharam e então seu Walter disse:
— Rapaz, será que tá todo mundo ficando maluco? Será isto tudo real?
— Bom… o nosso amigo Chico aqui nesta rede me parece muito real, Walter — respondeu Tio Nenzin.
Então todos voltaram, atravessando o campo novamente até a cova de Carlos Bento. E ali estava seu corpo, deitado no caixão, com um semblante tranquilo. Descansava agora no inferno. Com a mão sobre o peito, segurava a moeda que fora furtada.
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