AS MÃOS FORTES - Conto Cruel - Román Ignacio Ksybala
AS MÃOS FORTES
Román Ignacio Ksybala
Tradução de Paulo Soriano
— À tarde, ninguém estará em casa — disse-me ela no recreio e o meu coração assomou de entremeio às amígdalas. Ninguém em casa... Aquela moça bonita e vivaz, aquela garota divina, com algo de fascinante e familiar no rosto, fitava-me com uma expressão ansiosa e ao mesmo tempo travessa, com os olhos cravados nos meus. Ela estava na quarta e eu na quinta série e, para ser sincero, aterrava-me a ideia de que o seu pai me apanhasse em flagrante, fazendo sexo com a filha e em sua própria casa. Um pai atlético, robusto e apaixonado por esportes, aquele cretino. Um homenzarrão que me podia desintegrar com uma mão atada atrás das costas, se quisesse. Mas que diabos! Eu disse que sim... Claro que disse que sim. Teria aceitado um encontro a sós com aquela criatura angelical, mesmo que se me opusessem uma divisão blindada.
Certa feita, uma psicóloga olhou-me sorrindo e sentenciou: “Tens um bloqueio na tua infância, garoto”, e fez-me ver que sou um idiota por exprimir o meu afeto. Ela não usou a palavra idiota, mas sentiu que era seu dever avisar-me. E eu sei que sou, é verdade. Por quê, ainda é um mistério. Suponho que todos nascemos com carências e eu, entre outros, nasci com esta, a de manter as pessoas à distância e não me deixar amar, conservar fechada esta porta. Mas, por alguma razão, tal nunca me aconteceu com ela, nem mesmo no início; cada vez que estou na sua presença, sinto-me mais confortável, mais natural. De qualquer maneira, prometi a mim mesmo ser gentil naquela tarde e não a atacar como um hipopótamo no cio.
Entramos pela porta da frente, a da cozinha, para escapar ao olhar indiscreto de um vizinho, e subimos as escadas. Notei que estávamos entrando em seu quarto, luminoso e colorido, e dei uma olhada em sua cama com um frio na barriga. Ela foi à janela para fechar as cortinas e eu pus as minhas mãos em sua cintura, por trás. E, com os nossos corpos a tocarem-se, mesmo antes de fazermos amor, acabei por admitir o quanto fiquei cativado por ela. Eu teria desafiado o mundo para estar ali com ela, juntos e sozinhos. E quando comecei a tirar-lhe a roupa e a tocar-lhe a pele, agradeci silenciosamente à vida por tê-la posto ao meu alcance.
Não fiz ressalvas em manifestar o meu afeto; não houve qualquer bloqueio da minha parte. De fato, desbloqueamo-nos duas vezes, com uma maravilhosa estupidez, mas com alegria e paixão. E, depois, exaustos e felizes, voltamos a vestir-nos e descemos as escadas. Sentia-me derreter de felicidade e alegria, porque — agora, sim — agora nada poderia dar errado. Aquele era o melhor dia da minha vida. E se Schwarzenegger voltasse, nada haveria de terrível: éramos dois colegas de escola e eu estava lá para ajudar a sua filha no dever de casa. O que ele não sabia era a forma com a qual eu a ajudava. Em sua ausência, claro.
— Queres um café… ou um chá? — ela perguntou-me da cozinha, enquanto eu vagava pela sala. Aceitei um café, enquanto observava aquelas coisas estranhas, diferentes, o que só seria familiar para quem vivesse lá. O lustre elaborado, pendurado muito baixo… A mesa tão diferente da de casa, as cadeiras bem altas, os quadros estranhos, abstratos… As poltronas escuras, tanto pouco intimidantes, e as cortinas muito brancas e compridas, quase tocando o piso.
E então eu a vi: era uma grande fotografia entre retratos menores sobre a lareira. De repente, algo começou a passar, em câmara lenta, na minha cabeça; aquele rosto me perturba de uma forma inimaginável. Algo estala meu cérebro, algo se quebra. Há um compartimento que, de repente, deixa de ser incomunicável e sinto-me à beira das lágrimas sem saber por quê. O triciclo… O velocípede vermelho, o pátio da casa, a calçada em declive… Como pude me esquecer de tudo aquilo.? As mãos fortes, as mãos alheias que me arrebatam do velocípede e me levam para o carro. Como para o carro, se não temos carro? Minha mamãe, quero ir com a minha mamãe…
O meu coração ameaça parar de bater e as minhas pernas mal me sustentam. Não me atrevo a perguntar-lhe, mas, ao mesmo tempo, não consigo evitar de perguntar-lhe sobre aquela foto, sobre aquele rosto que me converte em criança. Que me torna vulnerável como jamais o fui na vida, e isto me causa uma inquietude que não me deixa respirar.
— É a minha mãe... Ou era — responde-me ela, a sua voz mais suave e mais triste. — Ela faleceu há muito tempo, quando eu era uma menininha.... Dizem que foi câncer, mas a minha tia disse-me que não.... Que ela se deixou morrer de tristeza quando raptaram o meu irmão.
Nota do editor: “As Mãos Fortes” foi o conto vencedor do “IV Concúrso Intenacionál ‘Tidár”, promovido por Emilio Vilaró. Confira aqui.
Imagem: PS/Copilot.
Não gostei deste conto,Seu Paulo.Nas primeiras linhas nota-se a pieguice do narrador-protagonista.E a psicóloga dele não fala como psicóloga.Mas obrigado assim mesmo.
ResponderExcluirBom conto e com um final surpreendente.
ResponderExcluirtinha tudo para ser bom porém o fato deles ser irmão e terem feito o que fizeram estragou, acho que ao invés deles ser irmão eles poderiam ser primos e no caso eles não saberiam que eram primos ja que ele teria sumido quando criança...
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