O COCHEIRO ASSASSINO - Narrativa de Mistério - Autor anônimo do início do séc. XX
O COCHEIRO ASSASSINO
Autor anônimo do início do séc. XX
Na manhã de 17 de agosto de 1825, quem passasse pela rua de la Cité Trévise, em Paris, veria uma multidão compacta de indivíduos de ambos os sexos em torno do cadáver de uma mulher, ainda jovem, apresentando uma facada mortal no peito.
A polícia ainda não tinha aparecido, mas já daquela multidão saía vários comentários, cada qual o mais desencontrado.
O que, porém, mais se aproximava da verdade era o diziam dois operários. Um pouco afastados do grupo, eles conversavam, gesticulando muito. Diziam que conheciam a moça assassinada. Era uma lavadeira que morava longe dali, mas que ali vinha uma vez por semana trazer a roupa de algum freguês.
Ambos a conheciam e, como a jovem era muito graciosa, dirigiam-lhe olhares maliciosos, sempre que ela passava em direção à rua de la Cité Trévise. Os operários trabalhavam em uma oficina de chapéus, ali na vizinhança, razão porque a viam quase sempre.
Ao ver o cadáver da lavadeira, ficaram ambos penalizados e prometeram aos seus deuses auxiliar a policia na pesquisa do perverso criminoso, que tão cruelmente havia assassinado a infeliz moça.
Alguns minutos depois terem ambos feito essa promessa, apareceu a polícia, que deu logo as necessárias providências à remoção do cadáver para o lugar competente e iniciou as indagações para a descoberta do autor de tão monstruoso crime.
Os dois operários foram os primeiros a dar informações sobre a identidade da morta, declarando o que acima já dissemos, e ainda mais, que, pela manhã, muito cedo, viram passar, pelas imediações da rua de la Cité Trévise, um indivíduo, vestido de cocheiro, muito perturbado, e que escondeu o rosto quando por eles passava.
Além de uma faca encontrada junto do cadáver e das informações dadas pelos operários, nada mais a polícia pode saber acerca do misterioso assassinato.
É' certo que ela colheu a notícia de que a lavadeira ia à casa de uma família moradora em um apartamento da referida rua e que, tomando informações com essa família, nada mais conseguiu saber, senão que a assassinada se chamava Augustine.
Restava, pois, à polícia parisiense lançar o olhar sobre a classe dos cocheiros, tão numerosa em Paris.
Os dois operários pediram uma licença de três dias e deram também inicio, por outro lado, às suas indagações.
Percorreram, ambos, os bairros pobres de Paris, tomando rumos diferentes, um disfarçado em vendedor de quinquilharias e outro em amolador de facas.
Estavam já desanimados, quando um deles — o amolador —, passando por uma rua, deu com um sujeito que lhe deu uma faca a amolar. O sujeito, assim que o viu, lançou-lhe um olhar de desconfiança, olhar esse que não deixou de perturbar o amolador, agora transformado em polícia.
A faca encontrada ao lado do cadáver tinha-a de memória o amolador, que, vendo a que o sujeito lhe havia dado para preparar, não deixou de notar a semelhança que havia entre uma e outra.
Ao dar por tal — e, mais ainda, ao notar a perturbação do sujeito, que parece que o estava reconhecendo por tê-lo visto em algum logar —, o seu primeiro ímpeto foi correr ao comissariado de polícia e comunicar o resultado de suas desconfianças.
Conteve-se, porém, e, não querendo comprometer o seu papel de polícia amador, dali em diante demonstrou a maior calma, procurando mesmo não fazer compreender que havia percebido a perturbação do tal homem que lhe dera a faca a amolar.
E assim, enquanto preparava a faca, cantarolava despreocupado, ao mesmo tempo que o sujeito, um pouco dele afastado, esperava que o trabalho ficasse acabado.
Uma vez amolada a faca, recebeu alguns centavos em pagamento e nem sequer olhou para o tal homem, que trazia uma especie de saco embaixo do braço e um chapéu de pano a cair-lhe sobre os olhos.
Nem sequer olhou é um modo de dizer; o amolador não tirava os olhos e a atenção do tal sujeito, mas isto de um modo que ele não percebesse, porque do contrário, talvez, ele fosse morto com a própria faca que havia amolado.
Recebendo a faca e pagando o ajustado, o sujeito entrou em uma casa daquela rua e o amolador seguiu cantarolando.
Cantarolava e pesquisava ao mesmo tempo, alguma coisa lhe dizendo que aquele era o assassino da rua de la Cité Trévise.
E consigo mesmo conversava, perguntando-se: se o homem se havia perturbado, quando o havia visto, ao entregar-lhe uma faca igual à encontrada ao lado do cadáver, não teria sido porque o havia reconhecido, da manhã em que se havia dado o crime?
E, assim, cansado de arquitetar mil coisas na cabeça, chegou ao comissariado, onde comunicou o resultado de suas investigações.
Não se havia enganado o amolador. A polícia cercou a casa do sujeito e dentro de algumas horas ele se achava preso como assassino da jovem encontrada na rua de la Cité Trévise.
A princípio negou o crime, mas acabou confessando tudo.
Havia morto a pobre lavadeira para roubar-lhes a meia dúzia de francos, pois sabia que a jovem os receberia naquela manhã.
Alguns meses depois, a cabeça do cocheiro rolava no cesto da guilhotina.
Fonte: Vida Policial/RJ, edição de 26/12/1925.
Fizeram-se breves adaptações textuais.
Imagem: PS/Perchance.
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