OS ADIVINHOS DE MANGU CHAN - Narrativa Clássica Sobrenatural - Willem van Ruysbroeck
OS ADIVINHOS DE MANGU CHAN
Willem van Ruysbroeck
(c. 1220 – c. 1293)
Como Mangu Chan1 me confessou, os adivinhos são os seus sacerdotes. E tudo o que eles dizem que deve ser feito é executado sem demora.
Vou falar-vos do seu ofício, tão bem quanto pude aprender com o mestre Guilherme e outros que costumavam falar-me com sinceridade. Eles são muito numerosos e têm sempre um chefe, como um pontífice, que vive sempre diante da casa principal de Mangu Chan, a cerca de um passo dela. Sob a sua guarda estão, como já disse antes, as carroças na qual os ídolos são transportados. Os outros vêm depois da casa principal, em lugares que lhe são designados. Chegam até eles, de várias partes do mundo, pessoas que acreditam na sua arte. Alguns, dentre eles, sabem algo de astronomia, especialmente o chefe, e predizem-lhes os eclipses do Sol e da Lua E quando um eclipse está para acontecer, todo o povo armazena o seu alimento, pois ninguém pode deixar as suas habitações. E, enquanto o eclipse ocorre, os magos tocam instrumentos e tambores com grande barulho e clamor. Depois que o eclipse termina, entregam-se à bebida e à festa, e ficam muito alegres. Eles preveem dias de sorte e de azar para a realização de todos os negócios. E é assim que os mongóis nunca reúnem um exército, nem iniciam uma guerra, sem o seu consentimento, e há muito tempo o Mo'al teria voltado para a Hungria, mas os adivinhos não permitiriam isto.
Todas as coisas que são enviadas à corte eles levam entre as fogueiras e para isso retêm uma certa porção delas. Também limpam todas as roupas de cama de pessoas falecidas, levando-as entre as fogueiras. Quando alguém morre, eles deixam de lado tudo o que lhe pertencia, e às outras pessoas da tenda tais coisas não são permitidas, até que sejam purificadas pelo fogo. Isto eu vi na tenda da senhora que morreu enquanto estávamos lá. Por causa deste costume, havia uma dupla razão pela qual Frei André e seu companheiro tivessem passado entre as fogueiras. Eles traziam presentes e eram destinados a alguém que já estava morto, Keu Chan. Nada disso foi exigido de mim, porque não trouxe nada comigo. Se algum animal ou qualquer outra coisa cair no chão ao passar entre os fogos, torna-se propriedade dos adivinhos.
No nono dia do mês de maio, os magos reúnem todos os cavalos brancos dos rebanhos e os consagram. E os padres cristãos são obrigados a fazer isso com seu incensário. Depois aspergem novos cosmos no chão e fazem uma grande festa nesse dia, pois consideram que então bebem primeiro cosmos novos, tal como, entre nós, alguns lugares, se faz com vinho na festa de Bartolomeu ou Sisto, e com frutas na festa de Tiago e Cristóvão.
Os magos também são chamados, quando nasce uma criança, para prever a sua sorte; e quando alguém adoece, eles são convocados e, repetindo os seus encantamentos, dizem se é uma doença natural ou resultante de bruxaria. E, a este respeito, aquela mulher de Metz, de quem falei, disse-me uma coisa muito notável.
Certa feita, foram-lhes apresentadas algumas peles valiosas, que deveriam ser depositadas na tenda de sua senhora, que era cristã, como disse anteriormente.
Os adivinhos carregaram as peles entre as fogueiras e tiraram dali mais do que deveriam.
Uma certa serva, que tinha ao seu cargo a guarda do tesouro daquela senhora, acusou-os disso à sua senhora, que os repreendeu.
Depois disso, aconteceu que esta senhora adoeceu, sentindo dores agudas nos membros.
Os adivinhos foram chamados e, sentados à distância, ordenaram a uma das aias que pusesse a mão no local dolorido e retirasse tudo o que encontrasse.
A aia levantou-se e fez o que lhe fora ordenado. Tendo ali encontrado algo, disseram-lhe que pusesse o que achara no chão. Feito isto, a coisa encontrada começou a se contorcer como um animal vivo. Colocada na água, a coisa assumiu a aparência de uma sanguessuga.
Disseram à dama:
— Senhora, alguma bruxa lhe fez esse mal com suas feitiçarias
Assim, os adivinhos acusaram a aia, aquela que os culpara de haver subtraído as peles.
A aia foi levada para fora do acampamento, para o campo, e, durante sete dias foi espancada, e submetida a outros tormentos, para que confessasse.
No entanto, senhora morreu.
Ao saber disso, disse-lhes a aia:
— Sei que minha senhora está morta; matem-me para que eu possa segui-la, já que nunca lhe fiz mal.
E como ela nada confessava, Mangu Chan ordenou que a deixassem viver.
Os adivinhos, então, acusaram a aia da filha da referida senhora — que, como a mãe, também era cristã —, e que tinha por marido o mais respeitado entre todos os padres nestorianos.
Ela foi, assim, levada ao local da execução com uma de suas aias, para fazê-la confessar. A aia confessou que sua senhora a mandara falar com um cavalo, para dele obter uma resposta. A aia também confessou que tinha feito algo para que seu patrão gostasse dela, a fim de que ele a favorecesse, mas disse que jamais fizera alguma coisa que pudesse tê-lo prejudicado.
Perguntaram, então, à senhora se o seu marido sabia o que ela tinha feito. Ela desculpou-se por ele, queimando os caracteres e cartas que ela mesma havia feito.
Então, a senhora foi condenada à morte; e Mangu enviou o marido, que era padre, ao bispo, que estava na China, para julgá-lo, apesar de não ter sido considerado culpado de nada.
Entrementes, aconteceu que a primeira esposa de Mangu Chan deu à luz um filho e adivinhos foram chamados para ler a sorte da criança.
Todos os adivinhos predisseram boa sorte ao menino, dizendo que ela viveria muito e se tornaria um grande senhor.
Todavia, depois de alguns dias, a criança morreu.
A mãe, furiosa, chamou os adivinhos, dizendo:
— Disseram-me que o meu filho viveria; no entanto, ei-lo aqui, morto.
Então eles responderam:
— Senhora, aqui vemos a feitiçaria da aia de Chirina, que outro dia foi condenada à morte. Ela matou o seu filho, e agora a vemos levando-o consigo.
Ainda viviam no acampamento um filho uma filha, já adultos, daquela mulher. A senhora, furiosa, mandou buscá-los e fez com que um homem os matasse em vingança pela morte de seu filhinho, que, segundo os adivinhos, fora morto pela mãe dos supliciados.
Depois disso, o Chan sonhou com os filhos da aia e, no dia seguinte, perguntou o que havia acontecido com eles.
Os servos recearam de contar-lhe o ocorrido; mas ele perguntou com mais solicitude onde estavam eles, pois lhe haviam aparecido em uma visão noturna.
Então os servos lhe contaram o sucedido. O Chan, imediatamente, enviou uma mensagem para sua consorte e perguntou-lhe de onde ela tirara a ideia de que uma esposa poderia ser condenada à morte, deixando seu marido na ignorância do que ela teria feito. Então, trancafiou-a por sete dias, com ordens de que não lhe dessem comida. Quanto ao homem que matara os jovens, ele ordenou que o decapitassem e que pendurassem a sua cabeça no pescoço da mulher que matara a moça, fazendo com que ela fosse espancada com tições em chamas pelo acampamento; depois, mandou executá-la. E ele teria matado a própria esposa, se não fosse pelos filhos que teve dela; mas ele deixou a sua tenda e para lá não retornou por um mês.
São esses mesmos adivinhos que perturbam a atmosfera com seus encantamentos; e quando está tão frio, por causas naturais, que não conseguem aliviar, escolhem nos campos algumas pessoas que acusam de terem provocado o frio, e estas são condenadas imediatamente à morte.
Pouco tempo antes de minha partida, havia uma das concubinas do Chan que estava doente, e estivera a definhar durante muito tempo. Então, os adivinhos lançaram, sobre uma sua escrava alemã, encantamentos. A escrava dormiu durante três dias. Quando voltou a si, perguntaram-lhe o que tinha visto. Disse ela que vira muitas pessoas, e todas estas declararam que morreriam em breve. Todavia, dissera a escrava que não tinha visto a sua senhora entre elas, pelo que disseram que ela não morreria da sua doença. Eu vi a moça, que ainda tinha muitas dores de cabeça por causa do sono prolongado.
Alguns, entre os adivinhos, evocam os demônios. À noite, reúnem-se em suas tendas os que querem obter respostas dos demônios, colocando alimento no centro das tendas. Nelas, o adivinho, que faz a invocação, começa a repetir os seus encantamentos, e bate violentamente no chão com um tambor. Por fim, entra em fúria e faz-se amarrar. Depois, na escuridão, chega o diabo. O adivinho e dá-lhe a carne para comer e o demônio responde-lhe.
Certa vez, conforme me contou o mestre Guilherme, um certo húngaro se escondeu entre eles; e o diabo, que apareceu por sobre a tenda, gritou que não poderia nela entrar, pois havia um cristão entre eles. Ao ouvir isso, ele fugiu às pressas, pois começaram a procurá-lo. Isso e muitas outras coisas fazem os adivinhos, as quais levaria muito tempo para contar.
Versão em português de Paulo Soriano.
Fonte: William of Rubruck's Account of the Mongols, tradução de William Woodville Rockhill (1854 – 1914).
Ilustração: PS-Copilot.
Nota:
1Ou seja, Möhke Kahn, quarto grão-cã do Império Mongol, entre 1251 e 1259.
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