SEDUZIDA PELO DIABO - Narrativa Clássica de Terror - Pierre de Lancre
SEDUZIDA PELO DIABO
Pierre de Lancre
(1553–1631)
Na cidade de Cagliari, ilha da Sardenha, uma moça de qualidade, de uma casa muito rica e honrada, tendo visto um cavalheiro de perfeita beleza e dotado de toda a espécie de perfeições, apaixonou-se violentamente por ele. A jovem, contudo, soube dissimular a paixão, de forma que o cavalheiro nada percebeu.
Um maligno demônio, mais culto no amor e mais conflituoso do que o cavalheiro, aproveitando esta oportunidade, facilmente reconheceu que aquela jovem apaixonada, que lutava por amor, seria em breve massacrada… E para obter mais facilmente tal resultado, modelou em sua face as feições do verdadeiro cavalheiro, tomando-lhe a forma e o feitio, compondo-se à sua maneira, de modo a parecer que não o imitava, senão que era ele mesmo.
O demônio via-a secretamente e lhe falava, fingindo amor e conveniência para se verem. De tal modo, o espírito maligno, que considerava magníficos os liames sinistros, abusou não só da simplicidade desta jovem, como também do sacramento do matrimônio, mediante o qual a pobre donzela pensava que não estava de modo algum a cobrir a sua culpa e a sua honra.
Assim, tendo-se o demo casado com ela clandestinamente, acrescentando males sobre males, como muitos costumam fazer para melhor chegar a um ato execrável como tal, desfrutaram ambos daquele amor durante alguns meses, durante os quais a moça, falsamente satisfeita, escondeu os seus amores o mais possível…
Aconteceu que a sua mãe lhe deu um objeto sagrado, que ela usava por devoção, e que servia de antídoto contra o diabo e a sua paixão. O amuleto passou a obstar as entradas do maligno e a perturbar o seu deleite.
O demônio tinha-a aconselhado a que não enviasse, ao homem de cujas feições se assenhorava, mensageiros; mas o ciúme, incitando-a, fez com que ela enviasse um bilhete ao real cavalheiro, pedindo para que viesse ter com ela, e censurando-o pelo seu abandono etc.
O cavalheiro, atônito, disse-lhe que ela havia sido enganada e provou que, na época do suposto casamento, ele estava ausente.
A senhorita então reconheceu a obra do demônio e retirou-se para um mosteiro para o resto da sua vida.
Versão em português de Paulo Soriano.
Fonte: P. L. Jacob, “Curiosités Infernales”, 1886.
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