MUJINA - Conto Clássico de Terror - Koizumi Yakumo
MUJINA
Koizumi Yakumo
(Lafcadio Hearn)
(1850 – 1904)
Tradução de Paulo Soriano
Na estrada Akasaka, em Tóquio, há uma encosta chamada Kii-no-kuni-zaka, que significa Encosta da Província de Kii. Ignoro por que motivo é chamada assim. Vê-se, de um lado da encosta, um antigo fosso, muito profundo e muito largo, cujas verdes margens se elevam a uma zona de jardins. Do outro lado da estrada, estendem-se os longos e altaneiros muros de um palácio imperial.
Antes que postes de luz e riquixás se tornassem comuns, esse bairro era muito solitário após o crepúsculo, e os pedestres que se movimentavam em horas tardias desviavam-se milhas de seu caminho para evitá-lo após anoitecer. Dizem que uma Mujina — uma mulher sem rosto — vagava livremente por lá. O último homem que viu a Mujina foi um velho mercador do bairro de Kyobashi. Esta é a sua história.
Uma noite, tarde da noite, o mercador subia apressadamente o Kii-no-kuni-zaka, quando viu uma mulher agachada junto ao fosso, sozinha. Ela chorava amargamente e as suas mãos cobriam-lhe completamente o rosto, enquanto ela se projetava em direção ao fosso. Temendo que a moça quisesse se afogar, o homem deteve-se para oferecer-lhe ajuda. Ao se aproximar, viu que ela era graciosa e ágil, e que seu cabelo estava penteado como o de uma jovem de boa família.
Como ele era um homem gentil, a piedade dominou o seu coração.
— O-jochu! (Senhorita) — ele exclamou, aproximando-se dela. — O-jochu, não chore assim… Diga-me o que a aflige. Se houver alguma maneira de ajudá-la, eu o farei.
Mas ela continuou a chorar, escondendo o rosto com uma de suas longas mangas.
—O-jochu! — ele disse novamente, tão gentilmente quanto pôde. —Por favor, me escute. Este lugar não convém a uma jovem à noite! Não chore, eu imploro! Apenas me diga como posso ajudá-la e eu o farei!
A jovem se ergueu lentamente, virando as costas para ele. Oculta pela manga, ela continuava a gemer e a soluçar, mas seus gritos eram mais lentos, mais contidos. O homem sentiu seu coração transbordar de piedade e pôs a mão no ombro dela.
—O-jochu!… — implorava ele. — O-jochu, escute-me só por um instante!
De repente, a moça deixou cair a manga. Onde deveria haver dois olhos, uma boca e um nariz, não havia nada além de algo branco, sem qualquer semelhança à pele humana. E, diante dele, a jovem se pôs a acariciar a face, tão lisa quanto um ovo.
O homem soltou um grito e saiu correndo. Subiu o Kii-no-kuni-zaka e tudo estava escuro e vazio à sua frente. Correu, correu, sem ousar olhar para trás. Então viu o brilho de uma lanterna, mas tão distante que parecia o reluzir de um vaga-lume. E correu em direção à luz.
Era a lanterna de um vendedor de macarrão, que havia armado a sua tenda à beira da estrada. O homem jogou-se aos pés do vendedor noturno, gritando:
—Ah! Ah!
— Kore, kore! (Por aqui, por aqui!) — disse o vendedor. — O que lhe ocorreu? Alguém o atacou?
— Não, ninguém me atacou — disse o homem, estremecendo, —Só que… ah!
— Somente o assustaram? — perguntou o vendedor, com mau humor. — Ladrões, talvez?
— Não, não foram ladrões — respondeu o homem, aterrorizado. — Eu vi… eu vi uma mulher perto do fosso; e ela me mostrou… Oh, eu não posso te dizer o que ela me mostrou!
Com isso, o vendedor ambulante começou a acariciar seu próprio rosto. Lentamente, acariciou seu queixo e, enquanto fazia isso seu, a sua face começou a transmudar.
—Ah… — ele disse, e as suas feições convolaram-se nalgo branco. — Por acaso foi algo assim?
Com horror, o viu que o rosto do vendedor convolara-se num ovo.
E, de repente, a luz se apagou.
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