O NECRÓFILO DE SAINT-OUEN - Narrativa Verídica Macabra - Autor Anônimo do Séc. XIX

O NECRÓFILO DE SAINT-OUEN

Autor anônimo do séc. XIX


Na manha do dia 26 de março do corrente ano, à beira de um talude, no cemitério de Saint-Onen, foi encontrado o cadáver de uma moça de dezoito anos que, na véspera, fora sepultada.

Tendo sido o cadáver tirado do caixão, de noite, arrancaram-lhe o vestido e em seguida executaram no corpo a mais horrível das profanações.

Poucos dias depois, era preso, por confissão espontânea, um tal Duhamel; porém, no começo da instrução, ficou provado que Duhamel se gabara! E restituiu-se-lhe a liberdade. O mesmo sucedeu a outros indivíduos, suspeitos do mesmo crime.

O criminoso ficaria impune se, no dia 13 de junho, os guardas do mesmo cemitério, ao fazerem a ronda matinal, não vissem o cadáver de uma criança de onze meses, Pauline Chaillet, que tinha sido retirado da valia comum. A mortalha jazia a pouca distância, junto a uma cerca de espinhos.

Continuando a procurar, viram estes homens bruscamente saltar pela janela de uma casa abandonada um individuo que fugiu às carreiras.

Era este o criminoso, Henri Blot. Seu pai morara durante muitos anos na tal casa; fora empregado do cemitério. Henri era coveiro há perto de dezoito meses e foi preso logo sem que resistisse.

Interrogado, Blot, a principio, negou; mais tarde, porém, confessou ser o autor das duas violações. Em Pauline Chaillet foi o seu crime menor do que em Fernande Mery. Neste dia, tinha ele bebido muito. Carregou o cadaverzinho para a casa; mas, prostrado pela embriaguez, interrompeu o atentado e adormeceu sobre o assoalho ao lado da lúgubre presa.

O réu é casado, tem um filho e a mulher abandonou-o porque a maltratava. Foi julgado pelo crime de violações de sepultura e atentado publico ao pudor e também pelos de violências e esbordoamento na pessoa de F. Senet.

Na sessão do tribunal correcional do Sena, a 27 do passado, entrou ele em julgamento.

Reiterou as declarações anteriores, buscando atenuante da embriaguez, que o reduzia à animalidade.

Das testemunhas ouvidas, só trouxe elemento novo ao processo a mulher de Blot, uma moça de dezenove anos, chamada Eugénie Carret, cujo depoimento foi dado em carta.

Disse ela:

“Conheci Henri Blot em abril de 1881. Casamos em julho e só durante seis semanas vivemos bem. Passado este tempo, meu marido tornou a ser intemperante e não tive um momento de sossego. Diante de gente, continha-se, abraçava-me; porém, quando ficávamos sozinhos, dava-me pancadas. Resolvi-me a separar-me dele e o fiz, e só o vi no dia em que foi preso, porque queria conhecer o vampiro de que todo mundo faltava. Não sabendo que este era o meu marido, desmaiei quando o reconheci e, desde então, adoeci gravemente do coração.”

As declarações do Dr. Mollet, em relação ao estado mental do réu, assim concluíram:

“Foi, sem dúvida, sob a influência da embriaguez que ele se tornou autor dos fatos de que o acusavam. Ora, nos degenerados da qualidade de Blot, o alcoolismo tem efeitos perniciosos. Blot, em estado de embriaguez, obedece a um impulso inconsciente. Disto, porém, não se conclui a irresponsabilidade, pois que a embriaguez foi um ato voluntário.”

Tão valiosa opinião fez baquear os esforços do advogado do réu, o Dr Signorino, e o tribunal condenou Henri Blot no máximo da pena dos crimes de esbordoamento, ferimentos e violação de sepultura: dois anos de prisão.


Fontes: “Gazeta da Tarde”/RJ, edição de 20 de setembro de 1886; “O Arauto de Minas”/MG, edição de 16 de outubro de 1886.

Ilustração: Gustave Brion (1824 – 1877).

 

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