OS VAMPIROS DE TÚNIS - Narrativa Clássica de Horror - Autor Anônimo do séc. XX

OS VAMPIROS DE TÚNIS

Autor Anônimo do séc. XX


Em nossa época, que se jacta de incredulidade, têm, entretanto, livre curso diversas formas de crendice com tanta vitalidade como na Idade Média. Sou tentado a dizer que os feiticeiros são ainda mais numerosos agora do que outrora, pois as fogueiras da Inquisição estão extintas.

Em poucas palavras: quer se trate da Ásia, da Europa ou da África — até mesmo da positiva América —, por toda parte as seitas misteriosas abundam.

Magia branca e magia negra repartem os favores de iniciados cada dia mais numerosos.

Parece que os sofrimentos da guerra e as desordens de pós-guerra criaram, por contragolpe, uma viva curiosidade pelas práticas ocultas. Muitos esperam encontrar aí, sem dúvida, o meio de conseguir vantagens materiais que normalmente são o fruto do esforço e do trabalho…

Em razão dessa atividade esotérica, têm-se tornado as almas fracas, semiloucas, assim como perversas, acessíveis às mais mórbidas sugestões.

Esta multidão crédula oferece um terreno de eleição às operações dos maus magos, dos “gângsteres do oculto". Porque há, no domínio das ciências misteriosas, ao lado de pesquisadores sinceros, autênticos bandidos.

Não há razão de sorrir quando é questão de “feiticeiros”, de “ignorantes” de “luciferianos”, de “vampiros”: haverá de preferência interesse em orientar sobre esta via as investigações dos policiais. Lançando neste meio estranho investigações oportunas, haverá sempre compensadoras descobertas a fazer.

Foi assim que, recentemente, o tribunal indígena de Túnis teve que decidir sobre um caso alucinante de vampirismo que faz pensar nos mais espantosos processos de feitiçaria de outrora.

Recordemos, aqui, para clareza do relato, que numerosos ritos mágicos têm predileção pelos cemitérios e que, por outra parte, muitos feiticeiros emprestam à posse de fragmentos de cadáver uma utilidade ritualística considerável.

A título de exemplo, pode-se citar um uso em voga entre certas tribos indígenas da América do Sul. Tais indígenas pretendem que se pode reduzir à escravidão a alma de um outro homem matando-o e apropriando-se da cabeça, que se mumifica. Esta operação, de resto, faz-se de maneira assaz curiosa: os ossos do crânio são moídos a malho, a pequenos golpes, e a carne é dessecada ao sol. A cabeça, sem perder o contorno e aparência habituais, diminui rapidamente de volume e toma-se, ao cabo de algum tempo, as dimensões de uma laranja grande. Ela conserva, malgrado essas operações, uma surpreendente expressão de vida. Estes fúnebres restos são então utilizados pelos feiticeiros em seus trabalhos secretos.

Voltando ao caso de que nos ocupamos: ele tem sua origem igualmente presa à crença nas propriedades mágicas atribuídas pelos adeptos das doutrinas demoníacas aos diversos elementos do corpo humano: carne, vísceras, sangue etc.

Numa tarde de setembro de 1934, no cemitério de Testour, na Tunísia, tinha lugar o enterramento de um menino de três anos.

A noite caía.

Os presentes e os amigos retiravam-se lentamente, após haver assistido ao sepultamento do cadáver, o qual, segundo o uso indígena, fora lançado à terra sem caixão.

Um transeunte, que se havia detido para ver desfilar o triste cortejo, e que se atrasou dos demais, em seguida viu, com surpresa, três sombras deslizarem no cemitério após a partida dos que haviam acompanhado a cerimônia mortuária. Mesmo na semiobscuridade da noite próxima, ele pôde reconhecer um dos recém-chegados.

Por curiosidade, escondeu-se atrás do muro baixo que circunda o cemitério e observou. O trio dirigiu-se, com grandes precauções, à sepultura cavada de fresco. Alguns golpes de pá sobre o solo ainda mole e o cadáver todo branco apareceu.

Transido de horror, a testemunha involuntária desta cena lúgubre viu um dos três homens — aquele que ele havia reconhecido — acionar com a pá a cabeça e os braços do pequenino morto. O vampiro abriu igualmente o tórax do cadáver e arrancou-lhe as vísceras. Depois, o trio sinistro desapareceu nas trevas, não sem antes haver reposto os restos mutilados na tumba.

O homem, que assistira a esta cena infernal, acreditou ensandecer, tão vivo foi o seu terror. Mas, recuperando o uso dos membros, ele se foi, todo trêmulo, alarmar a gendarmeria.

O inquérito foi dirigido com extremo vigor. Tratava-se de encontrar, o mais rapidamente possível, o vampiro que havia sido identificado e, por, ele, o restante de seus cúmplices, antes que as provas do crime desaparecessem.

As investigações foram coroadas de sucesso e profanador de sepulcros preso.

Duramente interrogado, o vampiro, após uma longa resistência, nomeou seus cúmplices. O mistério, enfim elucidado, aparece mais espantoso que tudo quanto se possa supor.

Uma rica família local, desejando curar um de seus membros — uma mulher, presa de alienação mental — recorrera ao mago.

Este decidiu fazer a doente comer, devidamente cozida e temperada, carne de uma criança. Recuando diante de um assassinato, em razão das consequências judiciárias possíveis, o miserável preferiu aproveitar-se de um cadáver bem fresco.

O horrível repasto teve lugar. Os membros e as vísceras roubadas ao cemitério foram apresentados à louca, acompanhados de legumes. Este lúgubre petisco teve o dom, parece, de aliviar a doente.

A aventura fez grande ruido na Tunísia. Ela vem de se saldar em Túnis com as pesadas penas de prisão impostas aos diversos culpados.


Fonte: “Pan”/RJ, 24 de dezembro de 1936.


 

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