VISÕES DE FANTASMAS - Narrativa Clássica Verídica Sobrenatural - Duque de Argyll
VISÕES DE FANTASMAS
Duque de Argyll
(1872 – 1949)
Tradução de autor anônimo do séc. XX
Os fantasmas, na verdadeira acepção da palavra, nunca me quiseram chamar para testemunha. Pelo menos ainda o não fizeram e espero que não alterem esse seu bom proceder.
Aqueles que nunca puderam ver espectros ou duvidam de que outros os possam ver, sentem, como eu, uma dupla curiosidade se amigos, pessoas de confiança, lhes asseguram tê-los visto. Porém, pouco ou nenhum crédito dou a histórias de almas de outro mundo se elas não me chegam “em primeira mão” ou de alguém em que possa confiar. Reproduzo somente narração, ouvida de algumas pessoas, de suas próprias entrevistas com fantasmas. Ainda assim, não daria ouvidos a esses mesmos amigos ou conhecidos se eles se transformassem em crentes espiritistas. Pessoas há que estão sempre imaginando que viram ou podem ver um vulto em qualquer lugar escuro, passando e desaparecendo através da parede mais próxima. Conheço, por exemplo, uma senhora, de espírito são e vida feliz, que se julga ainda mais feliz quando pode relatar, com declarada satisfação e crença, ter visto um vulto de velho em seu próprio quarto, sentado numa cadeira de braços, e desaparecer, afastando a cadeira, desconsolado e surpreendido de a ter visto. E isto prova que ela sinceramente acredita na história que conta; porque, se a houvera inventado, não teria o velho fantasma mostrado ao menos alguma admiração por ela?
Conheço outra senhora que ouve sempre fantasmas musicais, que tocam em pianos antigos ou cravos, no mesmo lugar em que antigamente tocavam, ainda que estes instrumentos tivessem há muito já sido removidos. Nesse caso, a alma penada arranja qualidades superiores às do fonógrafo, que repete árias antigas. Lorde Barrington, falecido há poucos anos, fez, ainda moço, uma visita a Heron Court, perto de Bournemouth; e, à noite, ao recolher-se, ouviu uma recitação, em voz monótona, do outro lado da parede contra a qual estava colocada a cama. Não tendo ideia alguma de fantasmas que visitassem a casa, diligenciou dormir; mas a voz continuava e Barrington estava já para se levantar para protestar quando, afinal, cessou a toada impertinente.
No dia seguinte, ao almoço, o hospedeiro exprimiu-lhe o desejo natural e delicado de saber se ele tinha dormido bem. Respondeu-lhe que somente pudera dormir quando cessaram as recitações de um eloquente cavalheiro vizinho do quarto contíguo. Lorde Malmesbury fez-lhe um sinal para que ficasse silencioso e disse-lhe, depois, o motivo por que reprimira a narrativa de seus aborrecimentos. Era porque ninguém podia explicar o som, que se ouvia a intervalos, desde a morte do velho lorde, que estava acostumado a ler, pela maneira descrita, na biblioteca, que era a sala próxima ao quarto de dormir ocupado por Lorde Barrington.
Não há, porém, só casos sucedidos a homens e mulheres; também os há acontecidos com cães, que, conquanto não possam falar, podem lamentar-se, uivar e tremer. Com efeito, assim tem sucedido, em certos quartos de determinadas casas, nas ocasiões em que seus donos ou donas estão preocupados com as aparições. Os cães não costumam tremer geralmente quando escutam sons de piano tocado à distância; todavia, por que motivo um cão de meu conhecimento ficava aflito numa casa na Escócia, onde sua dona ouvira uma música inexplicável?
Os cães não são supersticiosos e não podem ser ensinados a tremer com fantasmas; portanto, quando manifestam grande terror inexplicável e estão acordados, legitimamente se pode inferir que eles se apercebem da presença de alguém que não é deste mundo.
Ao norte de Tweed, as almas do outro mundo que aparecem são, em geral, espíritos caseiros. De muitas casas corre lenda de possuírem “um fantasma escuro” ou uma dama “verde”. São inofensivos, mas os cães não gostam deles. As almas escuras têm fama de produzir felicidade e supõe-se que a boa fortuna de um velho castelo desapareceu pelo lado do lago, desde que o fantasma escuro se foi nele banhar e nunca mais foi visto.
Uma mulher de uma aldeia próxima de uma casa feudal contou-me recentemente as recordações que conservava do que vira em sua mocidade na casa grande, onde estava como governanta.
—Aparecia ali um rosto iluminado — dizia ela.
— E com que se parecia esse rosto?
— Oh! Era exatamente um rosto cheio de luz.
Evidentemente, a visão não lhe tinha produzido terror.
Apresento agora espectros visitadores, bondosos e quietos como um que, no distrito de Hammermith, visita a casa de ura amigo meu, sincero e descrente. Gracejara sempre dos contos de fantasmas. Passaram-se anos e parecia justificar-se sua descrença na existência da sombra de uma mulher que — dizia-se —frequentava a casa. Uma noite, porém, quando sua mulher estava sentada na sala de recepção familiar, abriu-se a porta serenamente, uma dama cinzenta, de touca na cabeça, entrou devagar pelo aposento; depois, retirou-se. Ainda assim, o marido não quis dar crédito àquela narrativa, embora a mesma figura ainda fosse vista diferentes vezes pela mulher, que nenhum susto sofreu com as aparições. Ela considerava o passeio da sua hóspede tão filosoficamente como se tivesse sido educada com damas verdes toda a sua vida.
Passaram-se alguns anos, os filhos cresceram. Uma vez, o pai estava na sala, sentado, fumando com um deles, quando a porta se abriu e o rosto da figura descrita por sua mulher espreitou para dentro da sala, fechando em seguida a porta. Tanto o pai como o filho a viram. O primeiro, desconfiado, imaginando que unia das filhas estava se divertindo com eles, abriu de repente a porta, seguiu pelos corredores e assegurou-se de que nenhuma delas estava fora dos quartos. Só então, ele confessou que também tinha tido o privilégio de uma entrevista com a pobre fantasma errante.
Conheço outro caso similar. O fantasma era encontrado usualmente no caminho da escada, parando num dos patamares e levantando as mãos como que exprimindo surpresa e horror. Diz-se que essa atitude representava o pesar que sentira com a morte de uma criança. Este último conto não o ouvi da própria pessoa, que teve a visão; mas miss Wemyss, que vivera num castelo em Fife, descreveu-me muitas vezes a aparição da Dama Verde, que assustava os moradores de sua bela casa. Nada vira de sobrenatural nos primeiros dezessete anos de sua estadia naquele edifício, que, embora tenha sido modificado, conserva ainda grande parte de construção antiga. Dezessete anos é decerto nada para o tempo de vida de um fantasma e o encontro da dona do castelo com seu mais permanente hóspede espiritual deu-se numa tarde, ao cabo daquele tempo. A senhora fora falar com seu mestre de obras, marceneiro de ofício. Era tarde de um dia de inverno e ele estava trabalhando num aposento ao qual somente se podia chegar atravessando a sala de bilhar, onde estava um fogão aceso e não havia outra luz. O carpinteiro tinha uma lâmpada e miss Wemyss demorou-se alguns instantes a seu lado. Quando entrou de novo no bilhar, sentiu que ali estava alguém ou alguma coisa estranha. Era uma curiosa, indefinida sensação, como a que muitas pessoas sentem quando os olhares de outrem se fixam sobre elas. Assim sucedeu com essa senhora. Na outra extremidade da sala de bilhar, estava uma figura nebulosa, mas definida, que avançava para ela.
—A Dama Verde! — foi a ideia que lhe veio logo ao pensamento. Parou a ver. A figura, que caminhava para ela, movia-se serenamente. Enquanto passava pela claridade do fogão, bastante curiosamente, miss Wemyss reparou, em silêncio, que não se tornava avermelhada pela luz, nem nais distinta. O cinzento indefinido conservou-se na mesma cor neutra e continuava avançando. Depois, deu a volta do canto da mesa de bilhar, e, sem parar ou mudar de passo ou atitude, caminhou para centro da parede. Na mesma semana, idêntica figura foi vista duas vezes pelos empregados do castelo — uma vez numa passagem do andar superior, outra vez num quarto. Desde essa tríplice aparição, a Dama Verde, que parecia ter ultimamente preferido a cor cinzenta, não foi mais vista.
Ainda conheço uma outra testemunha de espectro, que visita determinado quarto, a largos intervalos, de maneira que muita gente tem dormido ali excelentes noites repousadas. Outras vezes, porém, a estranha aparição vem atacar o dormente, como na malária a alucinação acompanha o tremor do acesso. O caso passou-se com um padre anglicano, muito nomeado por sua eloquência, bondade de coração e energia de vontade. Nada sabia da história misteriosa da casa; e, quando ia recolher-se, ouviu barulho no quarto contíguo. Verificou que ninguém havia neste, e deitou-se. Mais tarde, acordou com o mesmo barulho. Quanto tempo dormira, não soube, mas devera ter sido bastante; porque, quando o barulho o despertou, havia já uma luz tênue da madrugada. Ele viu então uma mulher caminhar para os pés da cama. Surpreso, a princípio nem se levantou nem falou. Depois, a figura descrita em cinzento, mas definida na forma, parou. Ele tomou ânimo em sua natural coragem; recuperou a voz; abjurou a aparição nebulosa pelo santo nome. Ela voltou-se e dirigiu-se para a porta, que se abriu, e o espectro desapareceu por ela. O clérigo, que em circunstâncias ordinárias não saltaria da cama em vestes ligeiras, não hesitou e seguiu o silencioso espectro. Fora da porta havia uma escada e ele viu descer pausadamente a sombra semiluminosa até desaparecer na parede, exatamente como a Dama Verde do castelo de Fife.
Estes são os fantasmas silenciosos e inúteis; porém, a história indubitavelmente verdadeira da aparição, que se verificou no tempo da guerra contra os franceses nas possessões americanas, mostra que o espírito vagante também se exprime com determinada intenção. Existia uma casa antiga no topo de uma encosta sobre o rio Awe, que corre para o lago Etive. Inverawe descansava, depois de um dia passado na floresta, quando pancadas repetidas na porta o fizeram olhar para fora. Um homem, ofegante e cansado de caminhar, pedia guarida. Inverawe não lha negou e o excitado caminheiro, não satisfeito com a pousada, ainda lhe exigiu, sob juramento, que não o havia de expulsar. Pouco depois, chegavam perseguidores, que vieram também bater à porta, e perguntaram-lhe se tinha passado por ali o assassino de um primo de Inverawe. O rapaz ficou horrorizado, mas era homem de palavra e respondeu-lhes negativamente. Depois, repreendendo o fugitivo, foi outra vez instado para que não o entregasse à justiça. Inverawe disse-lhe que, na manhã seguinte, devia partir. Naquela noite, porém, apareceu a Inverawe seu próprio primo morto, dizendo-lhe:
—Meu sangue foi derramado. Não acoutes o assassino!
O rapaz mandou seu hóspede refugiado dormir num subterrâneo.
Ainda outra vez, lhe apareceu a visão e outra vez o homem escondido rogou ao generoso hospedeiro que o deixasse pernoitar ainda mais uma noite. Naquela terceira noite, a visão falou outra vez:
—Inverawe, meu sangue foi derramado. Encontrar-nos-emos de novo em Ticonderoga.
Ticonderoga! Que queria o fantasma dizer? Na manhã seguinte o refugiado partiu. A guerra chamou Inverawe e seu filho à América. Embarcou. Contou a seus camaradas esta visão. Eles muitas vezes chasqueavam Inverawe, perguntando-lhe:
—E a respeito de Ticonderoga?
Semelhante nome poderia ser conhecido além dos sonhos de um exaltado? Contudo, Inverawe, durante a campanha, perguntava sempre os nomes indígenas dos lugares.
Finalmente, chegou a noite anterior ao ataque de Carillon. Seus camaradas tinham ouvido dizer que o lugar tinha o nome indígena de Ticonderoga. Tomara cuidado de não o dizer a Inverawe e ninguém lhe falou em tal. Súbito, Inverawe disse aos camaradas:
— Estamos em Ticonderoga e eu hei de morrer amanhã!
Realizou-se o combate; ele e seu filho foram mortalmente feridos pelo fogo dos franceses. Como seus amigos se reunissem torno dele, ele disse-lhes solenemente:
—Quero que saibam que tornei a vê-lo ainda outra vez.
Isto foi sabido por todos quantos sobreviveram às campanhas da independência e formavam a célebre Black Watch. Um regimento inteiro de highlanders podia dar testemunho da crença tão fatalmente verificada de Campbell Inverawe.
Fonte: “Eu Sei Tudo”/RJ, edição de março de 1920.
Fizeram-se breves adaptações textuais.
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