O CAPUZ DE CAMURÇA NEGRO - Conto de Terror - Mário Terrabatava
O CAPUZ
DE CAMURÇA NEGRO
Por Mário Terrabatava
Pouco me interessa o que levou
Áureo Dourado, numa madrugada fria de agosto, a sair de casa e caminhar até o
viaduto Dois Irmãos com o firme propósito de dar cabo da própria vida.
Sei apenas que este era o seu
intento e isto me é bastante.
E, acaso haja nisso alguma
importância, eu vos digo que, entre as sombras da noite, vislumbrava-se uma
cintilação opaca em seu olhar. Talvez fossem os reflexos semiluminosos de uma
derradeira e involuntária convulsão no cadáver de uma angústia pretérita, um
frêmito a sacudir os restos mortais de uma aflição que, agora, já não tinha
qualquer significado em sua tênue luminescência. Tudo ficara para
trás. Tudo. O que importava àquele homem franzino, de meia idade, era apressar
o passo e encontrar-se com a morte o mais breve possível.
Quando finalmente estirou o olhar
para o vão asfaltado do viaduto, Áureo estacou.
O que viu o surpreendeu.
À nebulosa luz do poste público,
uma silhueta equilibrava-se precariamente sobre o parapeito de alvenaria.
Outro suicida? Sim, outro
suicida.
Alguém que chegara antes e
alçara-se ao pilarete central. Naquele momento, a silhueta feminina
– sim, era uma suicida!
– mantinha o corpo ereto e os braços inertes. Mas a cabeça, coberta por
um capuz de camurça negro, inclinava-se, lúgubre, de encontro ao peito.
Não havia dúvida que olhava para a calçada no fundo do precipício. Em
algum momento, aqueles olhos se fechariam e o corpo seria corajosamente
impelido para as goelas brumosas do abismo.
Áureo gelou. Cautelosamente, sem
fazer ruído, aproximou-se da mulher, pondo-se bem atrás dela.
O que se
passava pela cabeça de nosso homem? Ora, a quem isto pode interessar?
Quanto a mim, interessa-me apenas o sucedido. Digo-vos que imaginei que Áureo
iria aproximar-se da suicida apenas o bastante a dar-lhe um pequeno
empurrão. Bastaria um mínimo toque com as pontas dos dedos. Sei que ele
não o faria por malvadez, senão por pura piedade. Afinal, Áureo é, no fundo, um
tolo. Estaria ajudando a mulher encapuzada a cumprir o seu desiderato. Ele
agradeceria se um bom samaritano fizesse isto por ele, quando chegasse a sua
vez. Dispensaria o monstruoso impulso da coragem.
Mas não foi isto o que Áureo
fez. Para a minha tristeza, não foi o que ele fez.
Rompendo toda a minha
expectativa, frustrando toda a minha capacidade de precognição, Áureo
agarrou-se à cintura da mulher e a puxou para trás.
A mulher virou-se, assustada.
Depois, aninhando a sua bela face ao peito de seu salvador, chorou
convulsivamente.
― Não faça isso, garota ― disse
Áureo. ― O que lhe deu na cabeça? Você é jovem demais para morrer. Agora
vá. E não tente isto novamente.
A mulher assentiu, exsudando uma
vergonha imensa. Depois, escapuliu para a noite, tomando a direção da
ladeira donde viera.
O homem esperou que ela se
afastasse até ser engolida pela neblina.
Aliviado, olhou para a calçada,
para o asfalto, para o poste. Poder-se-ia mesmo entrever um breve – mas intenso
– sorriso em sua face lívida. Então pôs-se Áureo a andar,
devagar, afastando-se do pilarete central.
Parecia meditar com satisfação.
Parecia orgulhoso de si mesmo, mais feliz do que nunca.
O incidente o fizera retroceder
no intento de matar-se?
Mais adiante, Áureo parou.
Subiu o último dos pilaretes e,
sem olhar para baixo, sem medo ou hesitação, mergulhou placidamente para a
morte.
Caiu sobre a calçada vinte metros
abaixo, esmagando fatalmente um transeunte. Uma alma feminina que seguia a
chorar, infeliz, sob um capuz de camurça negro.
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