A OBSESSÃO STOKER - Conto de Terror - John K



A OBSESSÃO STOKER

(Jonh K - 18º Lugar no Concurso Bram Stoker de Contos de Terror)


— Vai querer mais café, senhor? — perguntou, segurando um sorriso sincero nos lábios vermelhos.
— Ah! Muito obrigado, senhorita… — cerrou os olhos em direção à pequena plaqueta no peito da mulher. — Susan! Café eu não quero não, mas o seu número de telefone eu aceito.
Marcus notou como a pele marcada de Susan havia adquirido tons avermelhados na bochecha. Constrangida, não conseguia encarar os olhos famintos do galanteador, escondidos atrás de uns óculos de grau delicados.
— Não precisa ficar com vergonha, Susan — disse, estampando um sorriso de lado. — Vamos fazer o seguinte. Amanhã eu volto aqui e você se decide se me dá ou não uma chance de te conhecer, pode ser?
— Me desculpe…
— Marcus. Pode me chamar de Marcus — disse ele, prontamente.
bem… Marcus. É que eu sou nova aqui, nessa cidade, e ainda estou me acostumando com o lugar…
— Sem problemas, Susan. Mesmo assim, eu quero te ver amanhã — repetiu de forma incisiva.
Se levantou e sussurrou ao pé do ouvido.
— Tenha uma boa noite…
Ela sentiu os pelos de sua nuca ouriçarem, como jamais havia sentido — pelo menos não que recordasse. Enquanto estava ali, estática, perguntava-se quem seria aquele homem misterioso, e só conseguiu escapar do seu devaneio quando Charles, o proprietário da lanchonete, gritou por seu nome.
Naquela noite, Susan teria um sono profundo e relaxante.
*
Cada vez que o pequeno sino localizado acima da porta da lanchonete ressoava, Susan sentia o seu coração dar um salto antes de voltar ao ritmo de sempre. Não queria admitir, mas ansiava rever aquele homem, e no fundo temia que ele tivesse ido embora, ou que somente tivesse brincado com ela, igual todos os out…
BLIM BLÉM
Marcus estava parado na porta e olhava ao redor da lanchonete à procura de algo ou alguém. Encarou a moça de lábios rubros. Sorriu. E saiu, deixando o sino ressoar novamente.
Susan queria vê-lo. Precisava, ao menos, conhecer um pouco mais daquele homem que tanto havia mexido com ela. Ela sabia que já não era nenhuma garotinha e, apesar das várias decepções amorosas, sentia algo diferente em Marcus.
Pegou o casaco e a bolsa embaixo do balcão, e saiu antes que o patrão percebesse a sua falta.
— Pra onde a dama vai com tanta pressa? — sorriu Marcus, que estava encostado na parede da lanchonete.
Um cigarro queimava no canto de sua boca e as suas duas mãos estavam nos bolsos da calça social.
— Ah! Que susto! — exclamou, rindo, sem jeito, logo em seguida.
— Vamos? — convidou Marcus, estendendo a mão direita e ainda carregando o sorriso que havia invadido o sonho de Susan na noite anterior.
— Mas pra onde? — perguntou, surpresa e excitada.
Apesar do vento gelado que chicoteava o seu rosto, ela sentia o seu coração bombear sangue suficiente para esquentar o seu corpo. O toque macio daquela mão na sua também ajudava em mantê-la aquecida.
Andaram por dez minutos, que para Susan pareceram segundos, quando Marcus parou em frente a um prédio de treze andares na Rua Floriano Peixoto.
— E chegamos!
— Chegamos aonde? — perguntou ao olhar para o prédio à sua frente.
Fora as janelas quebradas ou faltantes nos apartamentos que estavam voltados para a rua, havia inúmeras pichações na desgastada tinta marrom, o que dava a impressão de se tratar de um prédio abandonado.
— Não liga pra isso não — disse Marcus, apontando para os rabiscos. — Te prometo que dentro é bem melhor.
— Não sei, Marcus. Eu achei que a gente ia conversar antes em algum outro lugar… Não sei se estou pronta pra… sabe… Isso.
— Ah, que nada! Eu prometo que só quero conversar e te conhecer melhor. Nada além disso. Prometo.
Aqueles olhos penetravam em Susan como uma espada afiada, cortando os seus medos de ponta a ponta. A sua cansada razão gritava pelo óbvio, enquanto o seu esperançoso coração desejava por mais. Quando percebeu, já subia os degraus de madeira do interior do prédio, com Marcus a guiando.
*
— Pode ficar à vontade. Já volto.
Antes de entrar naquele apartamento, Susan não havia imaginado tamanha disparidade com relação ao exterior do prédio. A sala possuía móveis delicados de madeira escura; vasos negros e brancos estavam dispostos em cima de dois pequenos pilares de gesso que tinham a forma de lindas donzelas nuas; um lustre suntuoso reinava no centro da sala, iluminando e abrilhantando ainda mais o exuberante ambiente.
Susan caminhava lentamente, absorvendo tudo o que estava vendo. Dezenas de perguntas a respeito daquele apartamento e de seu dono explodiam em sua cabeça. Na parede, um quadro de um homem idoso, com uma espessa barba negra, chamava a sua atenção.
— Sabe quem é? — perguntou Marcus, trazendo consigo duas taças de vinho.
— Seu pai?
— Hahaha! Quem dera! Esse é o grande e inigualável Abraham Stoker, ou, como ficou conhecido, Bram Stoker — disse Marcus, enquanto analisava o quadro tal qual um devoto religioso perante a imagem do seu deus. — Também tenho os livros, registros originais… Inclusive possuo a primeira crítica feita por ele para o jornal Dublin Eventing Mail. Acredita? Uma relíquia de mais de 140 anos...
— Nossa… Impressionante mesmo — disse Susan, mais por educação. — Ele era um jornalista?
— Jornalista?! — deu uma gargalhada.
Susan notava que Marcus balançava as mãos enquanto falava, derramando o vinho pelo chão encerado.
— Você nunca ouviu falar do famoso Drácula de Bram Stoker? — perguntou, com os olhos arregalados apontados para Susan.
— Eu… Eu acho que não… Não sei… Olha, eu acho que já está na minha hora…
Marcus, fora de si, lançou a taça contra a parede oposta, fazendo voar os estilhaços de vidro por toda a sala. Susan soltou um grito nervoso e o encarou incrédula.
— Sabe, eu cheguei a pensar que você fosse a minha Florence, mas agora eu vejo que não passa de uma vagabunda! — vociferou o homem com o rosto enrugado de ódio, antes de segurar os cabelos dela e jogá-la no chão.
Susan não estava conseguindo assimilar o que estava acontecendo. Como aquele homem, que surgira para ela de forma tão doce e respeitosa, agora gritava como um louco. Ela precisava fugir. Forçou as pernas vacilantes a ficar de pé, quando tudo ficou na mais completa escuridão. Marcus havia desligado a luz do magnífico lustre, deixando-a nas trevas.
Por favor, Marcus! Me deixa ir embora!! — gritava, enquanto andava pela sala com as mãos esticadas. — SOCORRO!! ALGUÉM ME AJUDE!!!
Ouviu um barulho do seu lado esquerdo. Se encostou na parede, tateando em busca da maçaneta. As lágrimas desciam pelo seu rosto, e com elas a esperança que havia nutrido através daquele homem. E então parou. Sentiu o hálito quente no seu rosto, e dois olhos vermelhos surgiram da escuridão. O susto só não havia sido maior do que a dor que sentiu quando um objeto afiado fincou no lado esquerdo do seu pescoço. No mesmo instante sentiu o sangue transbordar pela nova saída criada por aquele monstro.
— Contemple, mulher!! — disse Marcus.
O grande lustre voltou a alumiar o local. Marcus usava uma capa negra com a parte interna vermelha, os cabelos molhados, jogados para trás, e mostrava a arcada dentária com os caninos avantajados e sujos com o sangue de Susan.
— O que você fez comigo?! Por favor, por favor! Me deixa ir embora! Eu não vou contar nada pra ninguém!! — suplicou, enquanto deslizava com as costas na parede em direção ao chão. Permanecia com as mãos nos dois pequenos e recentes furos, tentando estancar o sangue que não parava de fugir do seu corpo. — Socorro! Alguém…!
— Você não entende, não é mesmo? Sua vida não vale nada. EU estou te dando a oportunidade de servir a algo maior do que você jamais poderia imaginar! Está me vendo, Mestre?! — gritou Marcus, olhando para o retrato de Bram Stoker. — Eu estou seguindo os seus passos!
— “Viajei oceanos de tempo para encontrá-la”, e agora você é minha, mulher! Mestre, é como o senhor disse! Hahaha! “O desespero tem suas formas próprias de trazer a calma…”
Você é louco!! — gritou Susan, já pálida.
— Não. — Olhou para ela. — Eu sou o Drácula!
E, novamente, lançou-se no pescoço de Susan.
*
O corpo da mulher era mais pesado do que Marcus havia imaginado, o que dificultou a descida até o andar abaixo do térreo do velho prédio.
Para qualquer outra pessoa, o cheiro causaria espasmos estomacais, forçando o vômito iminente, mas ele estava acostumado depois do centésimo corpo drenado e desfalecido repousado sobre o monte de outros corpos tão secos quanto Susan.
Voltou para o seu apartamento, removeu a prótese dentária, com os caninos alongados, e guardou as lentes vermelhas. Ainda estava eufórico com a sua performance e sentia que o seu mestre havia se agradado com mais um sacrifício bem-sucedido. Um dia acharia a sua Florence, mas até lá o Drácula precisava se alimentar um pouco mais.
*
— O senhor gostaria de mais um pouco de café?
— Ah! Muito obrigado, senhorita… — cerrou os olhos em direção à pequena plaqueta no peito da mulher. — Michele! Café eu não quero não, mas o seu número de telefone eu aceito…




Inveterado fã do mestre Stephen King, John K, de 29 anos, sempre sentiu uma necessidade, quase sufocante, em colocar no papel o seu mundo. Brasileiro, formado em engenharia e músico amador, encontrou nos livros um escape, tendo como pano de fundo o suspense e o medo do desconhecido.



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