VÍTIMA DO MEU DESCUIDO - Conto Clássico de Terror - Eximí Opfalas
VÍTIMA
DO MEU DESCUIDO
Eximí
Opfalas
(Pseudônimo
de autor desconhecido do séc. XX)
—
Vítima do meu descuido! — foi o que eu ouvi da boca de um louco, quando
atravessava o pátio interno de uma casa de saúde, para procurar o Dr. Mota,
velho amigo meu, que ali dirigia uma enfermaria.
Aquela
frase, ouvida assim inesperadamente, foi pronunciada com ênfase e exprimia uma
dor profunda. Ao chegar ao gabinete do Dr. Mota, ainda estava eu com os cabelos
eriçados pelo frêmito irreprimível que de mim se apossou naquele momento. O Dr.
Mota, percebendo o meu estado, como profundo psiquiatra que é, perguntou-me
logo:
—
Que foi que lhe aconteceu?
Contei-lhe
então o que ouvira e a forte impressão que aquelas palavras me haviam causado.
—
É um caso bem triste aquele, embora passível de cura... (Disse o Dr. Mota, batendo
com as hastes dos óculos sobre os dedos.)
—
Gostaria de sabê-lo! (disse eu, curioso). O Dr. Mota, mostrando-me uma
poltrona, sentou-se noutra, puxou do bolso um alvo lenço de fina cambraia de
linho e, limpando os óculos, foi dizendo:
—
Eram dois amigos, um médico, outro advogado, que, desde estudantes, havia cerca
de oito anos, moravam juntos e conservavam-se solteiros, embora Roberto já
fosse noivo, desses noivos crônicos, que subordinam o amar à fortuna que há de
vir. Rogério era, porém, cético demais para pensar em casamento. Ótimo
estudante de anatomia e cirurgião hábil, tornara-se materialista irredutível,
não obstante sua curiosidade cientifica insaciável.
Certo
dia, em que Roberto fora ver a noiva, Rogério, a convite de outro amigo, fora
assistir a uma sessão espírita, onde diziam haver médiuns de alta qualidade.
Formada
a mesa, dois ou três médiuns entraram em transe, sem que qualquer dos
espíritos, que se diziam presentes, impressionasse de algum modo o ceticismo de
Rogério.
Eis,
porém, que um dos médiuns, caído em transe já quase à meia noite, declara ser o
espirito de Roberto, do mesmo Roberto amigo de Rogério, que se despedira dele à
tarde para ir ver a noiva.
Um
sorriso de incredulidade absoluta precedeu as palavras do veemente protesto que
Rogério imediatamente apresentou contra aquela farsa, na qual se dizia
encarnado o espirito de pessoa que ele sabia estar viva e com a qual conversara
quatro horas antes.
Seu
protesto causou profunda impressão, e ele da sessão se retirou irritadíssimo,
indo imediatamente recolher-se.
Ao
chegar, porém, próximo ao prédio de apartamentos em que morava, viu, ainda de
longe, uma ambulância do Pronto Socorro, alguns carros do Corpo de Bombeiros e
muita gente!... E, ao chegar a casa, soube, pelos curiosos, que houvera uma
explosão num apartamento, onde ficara aberto o fogareiro a gás, tendo morrido
uma pessoa.
Conseguindo
a muito custo chegar até a portaria, soube Rogério que o apartamento incendiado
era o em que ele morava; e que a pessoa morta era Roberto, que supunham ter lá
entrado riscando algum fósforo.
Rogério,
passando a mão pelo rosto, empalideceu e caiu ali mesmo, sem sentidos...
Quando, horas depois, voltou a si, já num leito do hospital, Rogério despertou
dizendo:
—
Pobre Roberto. Foi vítima do meu descuido!
E
“Vitima do meu descuido!...” é a frase
que o pobre louco repete sem cessar, tal como você a ouviu (concluiu o Dr. Mota),
quando atravessou o pátio.
Fonte: “Careta”, edição
de 10 de setembro de 1938.
Imagem: PM/MS.
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