VICTOR BRAUNER – UM FANTÁSTICO CASO DE PREMONIÇÃO - Artigo - Paulo Soriano
VICTOR
BRAUNER – UM FANTÁSTICO CASO DE PREMONIÇÃO
Por
Paulo Soriano
Victor
Brauner (1903-1966), artista plástico e escritor romeno, foi um dos grandes
nomes da pintura do séc. XX. Seu nome não está associado apenas às artes
plásticas, em especial ao movimento surrealista. Um incidente, ocorrido em 27
de agosto de 1938, vinculou definitivamente Brauner ao terreno da
paranormalidade. Naquele dia, o pintor surrealista protagonizou um dos mais bem
documentados casos de premonição de que se tem conhecimento.
Um
dos grandes desafios à constatação de eventos precognitivos é a ausência de
provas confiáveis. Quase sempre, os que vivenciaram situações premonitórias se
valem do testemunho de pessoas, em geral de seu círculo mais próximo, para
ratificarem a veracidade das experiências pelas quais alegaram passar. No caso
de Brauner, tais dificuldades desaparecem. São os seus próprios quadros e a
sua face desfigurada as eloquentes e irrefutáveis testemunhas de um episódio
de precognição (ou, ao menos, de uma coincidência admirável), cuja
materialidade fática está a salvo de qualquer dúvida.
Na
noite de 27 de agosto de 1938, vários amigos surrealistas estavam reunidos num
atelier de um dos artistas. Sem que até hoje se saiba o motivo, o pintor
espanhol Oscar Domínguez entrou em acalorada discussão com o colega Esteban
Francis. Brauner foi um dos que se interpuseram, tentando apartar os contendores.
Tomado por uma fúria violenta, e completamente fora de si, Domínguez empunhou
uma garrafa e a arremessou, impetuosamente, contra Francis. Talvez não por
acaso, mas por uma determinação inexorável do destino, era Brauner, justamente,
um dos que continham o ímpeto daquele a quem o pintor espanhol tentava alvejar.
Todavia, Domínguez errou o alvo. A garrafa que lançara atingiu em cheio a face
de Brauner. A potência do golpe desferido por Domínguez foi de tal monta que,
incidindo sobre o olho esquerdo do pintor romeno, lançou-o para fora da órbita.
Sim, a garrafa projetada pelo amigo enfurecido arrancou-lhe um dos olhos e
mudou para sempre a sua vida e a sua arte (1).
Autorretrato
Talvez
o fato que narramos não passasse por mais um dentre inúmeros infortúnios – um
lamentável golpe do destino –, e nada tivesse de extraordinário, não fosse uma
circunstância de extrema singularidade: Victor Brauner nutria uma intensa
obsessão por mutilação ocular, que deixava transparecer em sua obra, como um
registro indelével do que estaria por vir. Conforme relata SARANE ALEXANDRIAN
(2), em 1932 – seis anos antes do incidente –, Brauner “fizera um autorretrato
com um olho vazado e a face ensanguentada (vide ilustração acima); nunca soube o que
o impelira a fazer esse quadro. Pintou em seguida personagens com cornos que
lhes saíam dos olhos, e outras contemplando com desespero um olho arrancado; na
Última Viagem (1937) há um homem tristemente sentado sobre um olho gigante e um
monstro que foge com um olho na mão.”
Última Viagem
Após
a nefasta noite no atelier, “toda a gente ficou impressionada e teve a sensação
de que ele agourava este acidente há anos; tanto mais que, em Magia do Litoral
(1935), se descrevera agredido por um homem que lhe arrancava um olho, com um
instrumento que tinha gravado no cabo a letra D, inicial de Domínguez”. (3) A
letra aparece, ainda, em um quadro mais antigo, de 1932 (Paisagem
Mediterrânica). Nele se vê, em primeiro
plano, homem e mulher enlaçados, cada qual com um dos olhos traspassados por
uma delgada haste vertical; fixada na haste que perfura o olho do homem, vê-se,
claramente, a letra D.
Paisagem Mediterrânica
Escreve
pertinentemente ALEXANDRIAN que “nunca a noção de ‘mensagem’, tão aviltada até
aí, foi mais autêntica no caso de Brauner; todos os seus quadros foram
mensagens amadurecidas à luz dos pressentimentos. Depois desse acontecimento,
que lhe revelou os seus poderes de vidente, a pintura de Victor Brauner
modificou-se, deixando o domínio do fantástico cruel para se dedicar ao
universo da magia.”
Victor
Brauner, que desde cedo foi muito impressionado pelas experiências espíritas do
pai (4), iniciou-se nos livros de feitiçaria, nos tratados alquímicos e de
ciências ocultas, o que se refletiu, doravante, em sua pintura (5).
O
cético poderá dizer que tudo não passa de uma coincidência – e ninguém poderá
afirmar, categoricamente, que esteja errado. Com efeito, coincidências afloram
a toda hora. Todavia, a obsessão de Brauner pela mutilação ocular – que está
refletida em inúmeras obras anteriores ao evento fatídico – nos faz refletir
sobre a célebre frase de Gautier: “o acaso é, talvez, o pseudônimo de Deus,
quando não quer assinar”, e, mais ainda, sobre a de Alexander Blok: “a arte é o
pressentimento da verdade”.
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NOTAS
(1) Juan Larrea , apud
Raúl Henao, La doble estrella: el surrealismo en Iberoamérica.
(2) Serane Alexandrian,
O Surrealismo, Editora Verbo/Editora da Universidade de São Paulo, 1976, p.
117-118.
(3) Ibdem, p. 188.
(4) Ibdem, p. 250.
(5) Ibdem, p. 188-189.
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