A MORTE DA LINDA MULHER - Conto de Terror - Alessandro Reiffer
A MORTE DA LINDA MULHER
Alessandro
Reiffer
A
magnífica beleza daquela mulher deslumbrava a todos. Mesmo agora, gravemente
doente, sua beleza ainda encantava. Mas um intenso sofrimento era plenamente
visível em seu rosto de olhos fundos e encovados. Sua doença era
verdadeiramente terrível, impiedosa, e, aos poucos, bem aos poucos, em uma
extrema e quase imperceptível lentidão de brutal angústia, seu organismo ia
sendo consumido pela absurda enfermidade. Era como a mais desolada e arrastada
das marchas fúnebres.
Enfermidade
que a definhava de uma forma digna da mais elevada comiseração. Seus sintomas
algumas vezes surgiam, noutras, desapareciam por completo. Porém, quando
retornavam, eram ainda mais violentos. Dores insuportáveis em todas as partes
do corpo. Ela chorava copiosamente nestes momentos. Mas o que assombrava ainda
mais era a inexplicável indiferença com que quase todos observavam a sua
agonia.
Das
dez pessoas que viviam em seu quarto, apenas uma delas sentia verdadeira
piedade ao vê-la morrer de maneira tão lenta e sofrível. As outras aparentavam
não se dar conta da devastadora desolação que acometia a bela e pobre mulher.
No entanto, todos afirmavam que conheciam sua doença, que sabiam de suas causas
a fundo e que possuíam a cura para a pavorosa e fatal enfermidade.
Consideravam-se médicos de extrema perspicácia e inteligência. Havia até alguns
que diziam que a doença não era grave, que seria facilmente curada e que
exageravam no julgamento da intensidade de seus sintomas. Mas ainda não a
haviam curado, apesar de todas as tentativas de fazê-lo, tentativas em
realidade estúpidas, vergonhosamente insuficientes, enfim, absolutamente
inúteis.
Todos
os dez indivíduos também afirmavam com total segurança que conheciam o fato de
que eles, todos eles, eram os responsáveis, os culpados pela bela mulher agora
se encontrar enferma. Sim, a moléstia que a afetava foi causada pelas dez
pessoas que viviam em seu quarto. Viviam em seu quarto e dependiam da bela
mulher para tudo, para absolutamente tudo, inclusive para viver. Não viveriam
sem ela. Daí então a urgente necessidade de curá-la. Se ela morresse, todos os
dez morreriam com ela.
De
modo que assombrava, era quase inacreditável a indiferença com que seus
companheiros de quarto contemplavam a sobrenatural agonia que a passos de
anômala marcha fúnebre levava aquela linda mulher a uma morte dolorosa e
implacável. Algo realmente incompreensível. O que passaria pela mente dos cinco
homens e das cinco mulheres que ali naquele quarto de doença viviam? O que
passaria por seus sentimentos?
Talvez
os moradores do quarto já estivessem tão habituados com a doença que causaram à
mulher que já nem eram capazes de se emocionar com o vagaroso, lento, gradual
sofrimento que ela irradiava. Havia ali somente uma pessoa que ainda agia
intentando acender os sentimentos dos outros para que realmente tomassem
consciência da iminente situação em que se encontravam. Porém, sempre inútil.
Mais
e mais o clima reinante naquele quarto tornava-se pesado e nervoso. Sombras
pesarosas iam surgindo dos cantos do ambiente carregado de densos espectros de
ocaso. Lentamente, numa lentidão que parecia eterna. Em alguns momentos, luzes
cintilavam em algumas pequenas reentrâncias quase ocultas que traziam consigo
determinada esperança. Porém, em pouco tempo eram rapidamente subjugadas por
nuvens escuras de uma fumaça de ignota origem.
Sistematicamente,
a bela mulher em sua suprema agonia emitia gritos horripilantes, gemidos
dilaceradores, que ensurdeciam e inflamavam os ouvidos dos seus companheiros de
quarto, a ponto de sangrá-los. Mesmo assim, raramente se emocionavam, bem
raramente...
Os
gritos da bela mulher não eram reações desesperadas somente às suas dores
excruciantes, mas ela reagia também às terríveis chagas que surgiam em todo o
seu corpo e sangravam de forma inclemente, espargindo um sangue pútrido e malcheiroso,
que se derramava por toda a cama, maculando os brancos lençóis e carregando o
ar impuro de pestilentas emanações. As chagas desapareciam com o passar dos
arrastados dias, mas sempre retornavam, cada vez piores, em cores mórbidas que
iam do vermelho, ao roxo e finalmente ao negro.
E
as pessoas ali respiravam aquela atmosfera mefítica, com uma imbecil
tranquilidade sorridente. A mulher ardia em febre, e sua febre irradiava-se
pelo ar, elevando a temperatura gradativamente. Ondas de enfermidade
visivelmente partiam de seus entristecidos olhares de negras olheiras. Suas
lágrimas não cessavam de escorrer como orvalhos de desgraça por seus miríficos
cabelos negros. Sua face pálida e cadavérica implorava por misericórdia. No entanto,
aqueles que viviam em seu quarto apresentavam um comportamento tão estúpido,
tão indiferente, tão agressivo e miserável, que faziam, ainda que
inconscientemente, com que a moléstia da mulher se agravasse ainda mais.
Em
um instante soou um luto deprimente. E nas atmosferas ensombrecidas, mornas de
enfermidade, densas de pesadelos, assomou pelo ambiente degradado a tensão
desesperada de uma trágica marcha fúnebre. E suas notas noturnas vibravam como
sinos agourentos de palpáveis maldições. Simultaneamente, adejaram pela janela
as asas de um corvo que surgiu da noite distante, do espaço longínquo, e fitou
seus olhos fundos de sentenças nas pessoas que ali no quarto estavam. O corvo
assemelhava-se a um anjo. Trazia uma carta no bico.
Às
vezes, os dias transcorriam em aparente serenidade. A serenidade funesta que
antecede as mais devastadoras tormentas. E nos dias lentos, rastejantes, de
tensão insuportável, relâmpagos e trovões, por vezes distantes, por vezes
próximos, espargiam horrores e deixavam um odor ominoso pelo ambiente do
quarto. E o clima obscurecia-se paulatinamente.
Ataques
golfejantes de tosse assediavam os pulmões da bela mulher. Golfadas espessas de
sangue espalhavam-se por todo o aposento. Um catarro amarelecido descia
canhestramente de seu nariz. Ela debatia-se e revirava-se na cama inundada de
um suor ardente, pegajoso e febril.
Pela
janela semiaberta do quarto, uma estranha luminosidade avermelhada penetrou no
ambiente de dúvidas e desesperos adejantes. A bela mulher desvairava, inebriada
das mais absurdas catástrofes. Contorcendo-se de dor em todos os seus órgãos,
ela levava as mãos amareladas e ressequidas, de veias proeminentes, à cabeça
que latejava freneticamente.
Um
sopro anômalo e rubro de sangue entrou com diabólica violência pela janela
entreaberta. Tal sopro deve ter afetado a sanidade da bela mulher. Agonizante,
como um furacão ela redobrou suas forças para erguer-se da cama sanguinolenta.
Insana, descontrolada, enlouquecida, ela agarrou com suas mãos crispadas, de
unhas crescidas e ensanguentadas, um por um o pescoço daqueles que viviam em
seu quarto e os estrangulou com fúria alucinante. Nove dos dez moradores do
quarto foram mortos dessa forma. Apenas aquela mulher que sinceramente tentava
ajudar a bela enferma foi poupada. E, nesse instante, uma tênue fagulha de vida
refulgiu em seus enormes olhos verdes. E o nome da bela mulher era Terra.
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