A LENDA DA “CALLE DE LA CABEZA” - Narrativa Legendária de Terror - Paulo Soriano
A
LENDA DA “CALLE DE LA CABEZA”
Narrativa
legendária espanhola recontada em português por Paulo Soriano
Nos
tempos de D. Filipe II, vivia, numa pequena rua central de Madri, um sacerdote
possuidor de grandes riquezas. Certa noite, um criado seu, movido pela cobiça,
o assassinou, cortando-lhe a cabeça.
Após
decapitar o sacerdote e reunir uma boa fortuna em ouro e joias, o criado fugiu para Portugal.
Quando
o hediondo crime já havia sido olvidado, acobertado pela areia do tempo e pelo
manto da impunidade, resolveu o antigo criado, agora convertido em cavaleiro, mercê
do sangrento espólio reunido na casa do sacerdote, voltar a Madri.
Certo
dia, quando percorria as ruas de Rastro, o cavaleiro, ao passar diante de um açougue,
viu que era exibido um acepipe que, em seus tempos de criados, parecia-lhe uma
deliciosa iguaria. Saudoso dos velhos sabores, resolveu comprar a cabeça de
carneiro, levá-la para casa e comê-la cozida no jantar.
Havendo
guardado a cabeça sob uma capa, retornava o cavaleiro para a nova vivenda
quando foi abordado por um aguazil. Chamou a atenção do oficial de justiça um profuso
rastro de sangue que o cavaleiro, sem que o percebesse, deixava atrás de si,
enquanto avançava pela rua.
O
oficial de justiça deteve o cavaleiro, indagando-lhe sobre o que ocultava sob a
sua capa.
—
Trago comigo uma cabeça de carneiro, que acabei de comprar, para o jantar —
respondeu, confiante e sem nada temer, o cavaleiro.
Dizendo
isto, mostrou a cabeça ao aguazil.
Mas,
para o seu imenso horror, não era uma cabeça de carneiro que agora tinha nas
mãos. Era, sim, a cabeça do sacerdote que ele havia decapitado há muitos anos. Os
olhos do sacerdote assassinado, fixos nos seus, miravam-no com uma terrível expressão
acusadora.
Diante
de tão severa expressão, e aterrorizado até a medula, o antigo criado confessou
o seu crime. Malgrado sobrenatural, aquela era uma prova incontestável do latrocínio
que praticara.
Julgado
e condenado, foi enforcado na Praça Maior de Madri.
Reza
a lenda que conduziram a cabeça do sacerdote, perante o supliciado, numa
bandeja de prata, até o patíbulo. E que, no mesmo instante em que o antigo
servo foi executado, a cabeça do sacerdote reassumiu o estado anterior, convolando-se
na de um simples carneiro.
Hoje,
o logradouro onde ocorreu o macabro episódio denomina-se “Calle de la Cabeza”
(Rua da Cabeça).
Imagem:
Placa de azulejos na calle de la Cabeza,
obra de Alfredo Ruiz de Luna
González
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