A VIDENTE - Conto de Terror - Mário Terrabatava


A VIDENTE
Mário Terrabatava

— Mas... Mas... Você não é um homem! — disse Marie Jeanette com olhar de espanto.

— Não, não sou — respondeu aquela a quem Marie Jeanette supunha ser um adolescente endinheirado. E, apontando para o púbis desnudo e louro, prosseguiu, com irônico desdém:

— Eu sou, se não for tão óbvio, uma mulher.

Marie Janette pôs-se a rir. Como uma prostituta sagaz e experiente como ela poderia ser enganada por uma moça jovem passando-se por um rapazote, um diabrete imberbe?

—Mas — prosseguiu Marie Jeanette — eu não vou para a cama com garotas.

A jovem cliente extraiu do bolso da calça, que acabara de pôr sobre a cama, algumas cédulas.

— Nem mesmo por dez libras adiantadas?  E mais outras dez, se você me der o prazer que busco?

A jovem loura teve, sim, o seu prazer; Marrie Jeanette, as suas vinte libras.

—Quando volta? — perguntou a prostituta, enquanto se vestia. Seus olhos cintilavam a cobiça quando se voltaram, céleres, para aquela inesperada mina de ouro.

— Quando eu voltar, você não estará mais aqui — disse a beldade de cabelos dourados, acabando de ajustar o sobretudo acetinado.

— Por quê? Como pode saber disto?

— Porque, além de mulher, eu sou o que chamam de sensitiva.

— Uma bruxa?

— Não. Uma espécie de vidente.

— Então sabe ler o futuro das pessoas?

—Não o das pessoas. Apenas o das mulheres que me dão prazer. Quando ele explode, vejo tudo.

— Você pode me dizer o que viu?

— Posso, mas não sei se devo...

Marrie Jeanette franziu o cenho; a outra mulher empunhou a bengala com suas luvas negras.

— Toda visão tem um lado bom e um lado ruim... — disse a linda jovem, após ajustar a cartola sobre os longos cabelos, agora tolhidos e meticulosamente escondidos sob as abas. — Mas, e não me pergunte por quê, só posso revelar um dos lados. Quer escolher um?

— Quero.

— Qual dos dois?

— O bom, é claro.

— Todas escolhem o bom. Então eu lhe digo: você será famosa. Muito famosa. Os jornais falarão de você. Seu nome estará em milhares de livros.  Os séculos passarão e você jamais será esquecida.

Marrie Jeanette abriu os lábios num sorriso de pura felicidade. Por um breve instante, sentiu todo o glamour que a fama pode proporcionar. Mas, como sair da miséria e alcançar a glória, a imortalidade?

— Como posso saber se você fala a verdade?

— Não pode. Mas garanto que nunca errei.

E dirigiu-se à porta do sórdido quartinho.

Antes de bater a porta atrás de si, ouviu Marrie Jeanette dizer-lhe:

— Volte. Não se arrependerá.

A mina de ouro de cabelos dourados nunca mais voltou... Porque, no dia seguinte, Marrie Jeanette estava morta.

Se tivesse feito a outra escolha, saberia de antemão que seria barbaramente assassinada. Teria o seu ventre aberto e as vísceras removidas. Os seios seriam amputados; os braços, cravados por perfurações pontiagudas. Seu belo pescoço exibiria uma ferida medonha, profunda e sangrenta, cuja abertura permitiria o macabro vislumbre de ossos serrados. E o seu belo rosto estaria desfigurado pelos golpes cortantes, desferidos em todas as direções, e pelas hediondas mutilações: orelhas, nariz e bochechas habilmente removidos.

A vidente, contudo, não mentiu: Mary Jane Kelly — assim se chamava realmente a prostituta — foi a última das vítimas do monstro de Whitechapel. E o seu nome ficaria gravado, com rubro estilete, na carne da história, eternamente associado, como um coágulo indelével, ao mais famoso de todos os assassinos, cuja sombria identidade jamais se descobriu.

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