UMA FAMÍLIA DE LICANTROPOS - Narrativa Clássica de Horror - Henry Boguet
UMA FAMÍLIA DE LICANTROPOS
Henry
Boguet
(1550 - 1619)
Perrenette
Gandillon era uma jovem mulher que viveu no Jura, França, no século XVI. Noite
e dia, ela percorria o campo sobre quatro patas, acreditando que era um
lobo.
Certo
dia, enquanto vagava pelo bosque, correndo sobre quatro patas e comportando-se como um
lobo, ela foi acometida por um súbito ataque de loucura licantrópica quando viu
dois jovens miseráveis – irmão e irmã –
colhendo bagas na floresta. Benoît Bidel, um rapazote de quinze anos,
originário de Nezan, subiu a uma árvore para recolher frutinhas, enquanto a sua
irmã mais nova aguardava-o embaixo. Perrenette, animada por uma nova paixão
pelo sangue, lançou-se abruptamente sobre a menininha. A fera provavelmente teria
matado a criança se o irmão, vendo-a submetida ao ataque daquilo que supunha
ser um lobo, não tivesse se precipitado em seu socorro, armado com uma faca.
Perrenette, virando-se subitamente para o jovem, atacou-o, desarmou-o e, com a
faca, feriu-o gravemente no pescoço. A luta, seguida dos gritos, prontamente
atraiu as pessoas, fazendo com que Perrenette fugisse.
O
jovem foi, então, levado à casa de seus pais, onde faleceu em razão dos
ferimentos. Antes de morrer, declarou que as duas patas dianteiras do lobo que o
atacara tinham a forma de mãos humanas. Perrenette Gandillon, não tendo
aparecido na vila naquele dia, foi acusada desse crime. Uma multidão de
camponeses partiu em busca de Perrenette, e logo a encontraram, ainda coberta
de sangue. Horrorizados, os camponeses a massacraram sumaria e prontamente, sem
julgamento.
Pouco
depois, Pierre, irmão de Perrenette Gandillon, foi acusado de feitiçaria.
Diziam que ele levava crianças ao sabá, que fazia chover granizo e que vagava
pela região na forma de um lobo. A transformação realizava-se por meio de um
unguento que ele recebia do próprio diabo. Pierre já havia assumido a forma de
uma lebre, mas, em geral, ele aparecia como um lobo, trazendo a pele coberta de
pelos cinzentos e hirsutos.
O
homem admitiu, prontamente, a procedência das acusações que lhe eram carreadas.
Também admitiu que, durante suas metamorfoses, atacava animais e seres humanos,
que eram por ele devorados. Para reaver forma humana, alegou que lhe era
suficiente rolar sobre a relva orvalhada.
Seu
filho Georges confessou que havia sido untado com o mesmo unguento e que comparecera
ao sabá transmutado em lobo. Segundo seu próprio testemunho, ele se lançara
sobre duas cabras numa de suas expedições.
Certa
noite, uma Quinta-feira Santa, ele estivera deitado na cama por três horas, em
estado cataléptico, ao cabo das quais se levantou. Desde então, passou a
frequentar o sabá das bruxas sob a forma de um lobo.
Antoinette,
sua irmã, confessou que fazia chover granizo e que se vendera ao diabo quando este
se lhe apareceu na forma de um bode preto. Ela também tinha ido ao sábá muitas
vezes.
Quando
encarcerados, Pierre e Georges se comportaram de maneira tresloucada. Corriam
de quatro patas em suas celas e gritavam assustadoramente. Seus rostos, braços
e pernas estavam terrivelmente marcados pelas mordidas que haviam recebido dos
cães durante suas caminhadas sob a pretensa forma lupina. Enquanto
aprisionados, alegavam eles que não poderiam se transformar em lobos, porquanto
suas peles careciam dos unguentos necessários à metamorfose. Todos os três
foram enforcados e queimados em 1598.
Versão em português de
Paulo Soriano.
Ilustração: Lucas
Cranach, o Velho (1472 – 1553).
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