A OFERENDA - Conto de Terror - Mário Terrabatava
A OFERENDA
Mário
Terrabatava
Mei
Li consultou o oráculo — uma velha senhora de olhos obnubilados pela catarata,
mas que nunca errara um único vaticínio em sua longa existência— e escutou, com
o coração enregelado:
—
É isto mesmo. Ele quer uma segunda esposa.
—
Ele não me ama?
—
Não. Jamais a amou. Casou-se com você apenas para ascender socialmente e obter
um cargo no governo provincial.
—
Eu não... eu não...
—
E há algo mais. Lei Huo pretende matá-la.
—
Mas, por quê?
—
Para assenhorar-se definitivamente de seu dote...
*
No
dia seguinte, Lei Huo, estranhando a súbita mudança no comportamento da esposa,
e porque esta se recusava a contar-lhe o motivo de seu acabrunhamento, procurou
o oráculo. Ouviu:
—
Ela somente pensa no filho. Você não existe para ela. Considera-o inferior.
—
Há como fazê-la mudar de opinião?
—
Não. Ela quer matá-lo. Quer estar livre para casar-se em segunda núpcias com um
rico aristocrata que a ama.
*
No
dia seguinte, Lei Huo, temendo as nefastas consequências dos desígnios da
esposa, e para antecipar-se a um ataque sorrateiro, decidiu segui-la a
distância.
À
tardinha, Mei Li dirigiu-se à casa do pai. A aia, que quase sempre a
acompanhava em seus passeios, ficara em casa, cuidando do pequenino Yan Tao.
Lei
Huo escondeu-se atrás tronco de cerejeira frondosa, fincada entre a alameda e o
lago, e esperou.
A
lua cheia já ia alta quando Mei Li retomou o caminho de casa.
Parecia
muito feliz.
Quando
passou sob as copas cerejeira, Lei Huo saltou sobre ela. Segurou-a por trás e, num golpe certeiro de
adaga, abriu-lhe a garganta.
A
mulher caiu com a face voltada para o chão, debatendo-se na relva como uma
galinha degolada.
Lei
Huo esperou que cessasse a convulsão. Depois, tendo recolhido os colares e
anéis da esposa, somente para simular um latrocínio, voltou, pressuroso, para
casa.
*
Lei
Huo serviu-se do vinho de arroz e recolheu-se à alcova.
Deitado,
olhava para o teto parcamente iluminado por uma única lamparina. Imaginava como
seria doravante a vida de viúvo.
No
quarto ao lado, a aia Liang Lin, que se servira daquele mesmo vinho, deitara-se
sobre as esteiras de bambu ao pé do berço de Yan Tao. Se alguém a visse na
penumbra do quarto da criancinha, pensaria que adormecera de cansaço. Mas não.
Ela não adormecera profundamente. Os seios tinham uma imobilidade de estátua. Ela
estava morta.
Quando
Lei Huo acordou e tentou se levantar, viu que o mundo rodopiava em torno de si como
um ciclone de outono. O ventre e a garganta ardiam em fogo, mas ele suava frio.
Quando compreendeu o que se passava, pôs-se a rir como um alucinado. As suas
últimas palavras foram estas:
–
A víbora maldita me envenenou...
*
Uma
sombra repugnante rastejou pelas paredes da casa onde jaziam os cadáveres de um
homem e uma mulher.
A
sombra avançou para o berço. Tomou a criancinha em seus braços enrugados e saiu
com ela.
Ao
passar pela sala, em direção à porta, seus olhos, obnubilados pela catarata,
apesar de baços, refletiram um lampejo de luar que escorrera subitamente da
janela aberta.
Tomada
por um calafrio, a velha mulher escondeu-se nas sombras. Ganhou a rua escura. O
altar de sacrifícios já estava preparado.
Yaiguai, o demônio tenebroso, tinha sede de sangue. No colo da mulher, a
preciosa oferenda dormia tranquilamente, rumo ao holocausto.
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