OS RASTROS DE CHARLES ASHMORE - Conto Clássico de Terror e Mistério - Ambrose Bierce
OS RASTROS DE
CHARLES ASHMORE
Ambrose
Bierce
(1842
– 1914?)
A
família de Christian Ashmore consistia de sua esposa, sua mãe, duas filhas
adultas e um filho de dezesseis anos. Eles moravam em Troy, Nova York, eram
pessoas ricas e respeitáveis, e tinham muitos amigos, alguns dos quais, lendo
estas linhas, sem dúvida saberão, de primeira mão, o extraordinário acontecimento
vinculado ao adolescente. Os Ashmores, mudaram-se, em 1871 ou 1872, para
Richmond, Indiana, e, um ou dois anos depois, para os arredores de Quincy,
Illinois, onde o Sr. Ashmore comprou uma fazenda e nela se instalou. A uma
pequena distância da sede da herdade havia uma nascente dotada de um contínuo fluxo
de água limpa e fresca, e desta fonte a família obtinha o suprimento do
líquido, para uso doméstico, em todas as estações.
Na noite de 9 de novembro de 1878, por
volta das nove horas da noite, o jovem Charles Ashmore deixou a família reunida
em volta da lareira, pegou um balde e saiu em direção à nascente. Como tardava
o seu retorno, os familiares ficaram apreensivos, e o pai, indo até a porta
pela qual o jovem saíra, chamou por ele, mas não recebeu resposta alguma.
Então, acendeu uma lanterna e, com a filha mais velha, Martha, que insistiu em
acompanhá-lo, saiu em busca do filho. O caminho estava coberto de neve e, sobre
ela, era visível o rastro deixado pelo rapaz. Suas pegadas delineavam-se perfeitamente
na trilha aberta à sua passagem. Quando eles já ultrapassavam a metade do
caminho que levava à fonte – cerca de 75 jardas – o pai, que seguia na frente, parou
bruscamente e ergueu a lanterna. Depois, pôs-se a perscrutar, atentamente, a
escuridão que se lhe descortinava.
– O que aconteceu, pai? – perguntou a jovem.
Aconteceu o seguinte: o rastro do jovem
terminava abruptamente e, dali a para frente, a neve estendia-se plana e
intacta. As últimas pegadas eram tão evidentes quanto as deixadas para trás: as
marcas dos artelhos estavam nitidamente visíveis na neve. O Sr. Ashmore olhou
para cima, com o chapéu, encostado à lanterna, protegendo-lhe os olhos da
incandescência. Constatou que estrelas brilhavam e não havia uma única nuvem no
céu. Isto refutava a explicação, que lhe ocorrera, de que nevara novamente, mas
dentro de um limite claramente definido. Tomando um caminho mais longo, que
contornava o local onde as pegadas sumiam abruptamente, de modo a deixá-lo
intocado para um exame mais aprofundado, o homem rumou para a fonte, seguido
pela moça, agora fraca e aterrorizada. Pai e filha não trocaram uma palavra
sobre o que haviam visto. A fonte, intocada, estava coberta por uma camada de
gelo, evidentemente formada há muitas horas.
Voltando para a casa, eles contemplaram o
percurso do rastro deixado na neve em toda a sua extensão. Nenhuma pegada ia
além da trilha estacada a meio caminho entre a casa e a fonte.
A luz da manhã nada mais revelou. Tenra, impecável,
ininterrupta, a neve dominava todo o ambiente.
Quatro dias depois, a mãe, de espírito em ruínas, foi buscar
água na fonte. Quando retornou, contou que, ao passar no local onde as pegadas
haviam sumido inopinadamente, ouvira a voz do seu filho. Chamara por ele
obstinadamente, vagando de lugar a lugar, conforme imaginava que era de uma
outra direção que vinha a voz de seu garoto, até exaurir-se de cansaço e
emoção.
Quando
lhe perguntaram sobre o que lhe dissera a voz, ela não soube dizer, embora as
palavras que ouvira lhe parecessem perfeitamente claras.
Prontamente, a família correu ao local,
mas ninguém ouviu nada e todos consideraram que a voz nada mais era que uma
alucinação causada pela grande ansiedade da mãe e pelos seus nervos esfrangalhados.
Todavia, meses depois, em intervalos irregulares de alguns
dias, vários membros da família, e mesmo outras pessoas, escutaram a voz. Todos
declararam que aquela era, inequivocamente, a voz de Charles. Todos concordaram
que a voz parecia vir de uma grande distância, e por isso chegava-lhes debilitada,
mas com total nitidez em sua articulação. No entanto, ninguém conseguia
determinar a sua direção, nem repetir o que ela dizia. Os intervalos de
silêncio aumentaram cada vez mais e, no verão, a voz, cada vez mais débil e
mais distante, não foi mais ouvida.
Se alguém sabe do destino de Charles Ashmore, esta pessoa é
provavelmente a sua mãe. Mas ela está morta.
Versão em português:
Paul de Soriano.
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