ALUCINAÇÃO DEMONÍACA - Narrativa Clássica de Horror - Antoine Laurent Jessé Bayle


ALUCINAÇÃO DEMONÍACA
Antoine Laurent Jessé Bayle
(1799 – 1858)

As alucinações visuais, pelas formas de que se revestem algumas vezes, podem dar lugar aos maiores crimes.

O mais espantoso, e, ao mesmo tempo, o mais terrível exemplo que a este respeito se pode citar é  o de um advogado distinto de Clermont-Ferrant, o qual, em consequência de desgostos domésticos, e de um profundo ciúme, perdeu subitamente a razão, e foi conduzido a Paris a uma casa destinada ao tratamento dos alienados.

No fim de um ano, recobrou toda a sua inteligência, e foi entregue à sua família. Já se havia encarregado de parte das suas ocupações, quando se tornaram a renovar os motivos de seus ciúmes.

Ele principiou a ter algumas ilusões , que julgou ser o produto da fraqueza de sua cabeça, e que finalmente chegou a vencer. Porém, estas visões, por sua duração e força, acabaram por fazer uma impressão profunda sobre seu espírito, e deram lugar a um verdadeiro delírio. Este homem julgava-se exposto aos ataques de pessoas misteriosas e malfazejas.

Desde então, resolveu-se a persegui-las e armou-se de uma navalha a fim de atacá-las e se desfazer delas.

E, assim, desceu um dia a uma adega subterrânea com sua mulher e, no momento em  que esta estava ocupada, figurou-se-lhe  que ela se transformava de repente em um demônio, que o atraía a si,  a fim de o levar para o inferno. Ele, então, tirou subitamente a navalha da algibeira, caiu sobre a mulher e fez-lhe no pescoço uma ferida mortal.

Depois de ter cometido este crime, tornou a pegar com muito sangue frio na sua navalha, e se ocultou por detrás de um tonel para ver se o demônio se lhe representaria de novo debaixo de outra forma. Meia hora depois, sua cunhada, admirando-se de não os ver voltar, desceu à adega.

Apenas tinha passado a porta, o visionário, lançando-se sobre ela, com um novo furor, a imolou junto do corpo de sua irmã. Feito isto, ocultou-se de novo, para certificar-se se o demônio já estava inteiramente morto, ou se porventura ainda tomaria outra figura; mas a este tempo tinham sido ouvidos os gritos da última vítima; correm em multidão, e apoderam-se deste desgraçado, o qual, todo coberto do sangue de sua esposa e de sua cunhada, julgava ter expiado seus pecados por uma ação, dizia ele, tão gloriosa.

Quando esta miserável vítima da mais horrível ilusão soube sobre quem havia descarregado seu furor, perdeu inteiramente a razão: ele imaginou-se condenado ao inferno; e que devia ser punido pelos crimes de todos os homens, e que Deus, para torná-lo ainda mais infeliz, o tinha feito imortal. Continuamente oprimido pelo peso do seu crime, e dominado pelo mais horrível delírio, este ente desditoso não cessa de perguntar, há já quatro anos, a todas as pessoas que o rodeiam, se acaso Deus não lhes fez alguma revelação a respeito do seu destino.


Fonte: “O Propagador das Sciencias Medicas”, RJ, nº 1, 1827.

Tradução de autor desconhecido. 

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