A MIRRA (MÚMIA) - Conto de Terror Tradicional Português - Teófilo Braga
A
MIRRA (MÚMIA)
Conto
tradicional português adaptado da narrativa coligida por Teófilo Braga (1843 –
1924)
Um
rapaz muito brincalhão quis dar uma grande festa de aniversário. Bateu à casa e
todos os amigos convidá-los para virem jantar e farrear com ele. Quando voltava
a casa, encontrou ainda um amigo em frente do cemitério e, depois de convidá-lo
para a festa, ficou a conversar muito satisfeito. Estando nisto, deu com os
olhos em uma mirra — ou esqueleto ainda revestido de carne — que estava junto
de uma parede.
Disse-lhe,
então, mofando:
—
Se quiseres vir também ao meu banquete de aniversário...
—
Lá irei — respondeu-lhe a mirra.
O
rapaz ficou espantado, e perguntou ao amigo se tinha ouvido alguma voz. Como
este lhe disse que nada tinha ouvido, ele também não se atreveu a revelar-lhe o
caso. Dali se foi, cheio de susto e, ao passar pela casa do padre, fez
confissão do que lhe acontecera:
—
O que foste fazer, homem! Não sabes que não se brinca com os mortos?
—
E agora?
—
Agora não tens remédio senão sujeitares-te ao que acontecer. Manda pôr na mesa
mais um talher, ainda que não seja senão como satisfação.
A
noite correu no meio de danças, até que os convidados foram para a mesa. Ao
soar a primeira badalada da meia-noite, bateram à porta. O rapaz, tremendo de
medo, foi ver quem era. E recuou, ao abrir a porta. A mirra — o cadáver descarnado — entrou
vagarosamente e dirigiu-se para a mesa, sentando-se no lugar que estava
desocupado. Comeu, comeu, comeu, e, depois, levantando-se, para o mancebo:
—
Pois bem, já que fizeste o favor de me convidares para o banquete dos teus
anos, também te peço que amanhã, a esta mesma hora, vás jantar comigo.
Ditas
estas palavras, partiu.
O
rapaz ficou ainda mais aterrado do que de antes. Não pôde dormir, até que ao
outro dia foi ter com o confessor para lhe contar o sucedido.
—
Não tens outro remédio senão ires. Sai-te mais mal se faltares. O que te posso
fazer é emprestar-te a capa com que digo missa para te defenderes.
Lá
por alta noite o rapaz foi para o adro da igreja, a tremer como varas verdes.
E, à meia-noite em ponto, o rapaz bateu à porta. A mirra apareceu e levou-o
consigo para dentro.
—
Vês estas duas covas aqui?
—
Vejo.
—
Pois uma é a minha e a outra seria para ti. Mas o que te vale é vires vestido
como Cristo. Mas sempre te digo que nunca mais brinques com os mortos.
O
rapaz, sem saber como, achou-se fora da igreja, como se acordasse de um pesadelo.
Padeceu de uma grande doença, e em toda a sua vida nunca mais brincou com os
mortos.
Texto adaptado da
narrativa “A Mirra (Múmia)”, constante de “Contos Tradicionais do Povo
Português”, de Teófilo Braga.
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