A RESSURRECTA DE COLÔNIA - Conto Clássico de Horror - Alfred von Reumont
A RESSURRECTA DE COLÔNIA
Alfred
von Reumont[1]
(1808
– 1887)
O
Reno, em todo o seu curso, é pela imaginação popular povoado de entes
sobrenaturais, e as suas margens havidas por cenas de sucessos maravilhosos,
versões ou texto de outros análogos que em todos os tempos e em todos os povos
mereceram credulidade.
Entre
muitos livros que existem, contando vários acontecimentos, há um, nítido e
adornado de belas gravuras em aço, intitulado Legendes des bords du Rhin, e em que se acha a compilação dessas
histórias de prodígios e aventuras. Dela extraímos seguinte para exemplo.
No
ano de 1400 era Colônia assolada pelo contagio voraz e rápido que ceifava inumeráveis
vidas, crescendo a tão subido numero a mortandade, que não havia lugar nem
tempo para as honras fúnebres, sendo os cadáveres arremessados a montões para
valas amplíssimas.
Vivia
então em Neumarkt uma senhora mui respeitável, casada com um fidalgo dos mais
ricos daquele departamento. Caiu enferma, e em breves dias foi transferida do
leito para a tumba. Seu marido a mandou sepultar no cemitério dos Santos
Apóstolos. Mas, reparando os coveiros que a defunta levava em um dos dedos um anel
de ouro, resolveram despojá-la daquela joia quando fosse alta noite. Quando
lhes pareceu que seriam horas, protegidos pela escuridão da noite, dirigiram-se
ao cemitério. Tiraram a terra da cova, abriram o caixão, e quando um deles
pegou no dedo, e estava tirando o anel, o suposto cadáver suspirou profundamente,
e fez esforço para sentar se, o que efetuou. Os coveiros ficarão assombrados, e
deitaram a fugir sem quererem atender à voz suplicante da ressuscitada, que
ficou abandonada e entregue à maior agonia, como é fácil de imaginar.
A
senhora saiu da cova, pegou a lanterna que os coveiros deixaram e arrastou os
pés como pôde até a casa onde habitara. Bateu; porém, quando à pergunta — “quem
bate tão rijo?” —, respondeu: “a dona da casa”.
Os
criados, conhecendo-lhe a voz, amedrontam-se, e esconderam-se nos seus quartos.
Mas a senhora continuou a bater até que seu marido, acordando , ordenou aos
criados que fossem ver quem a desoras fazia tanto barulho na porta, ao que eles, transidos de medo, replicaram que era a alma de sua ama que
pretendia entrar, e que eles não iriam à porta pelo maior interesse que existisse
no mundo.
O
amo descompô-los, mas, como lhe certificassem que haviam reconhecido a voz da
senhora, foi ele próprio à janela saber quem batia. Ao divisar, junto à porta,
um vulto embrulhado em um lençol, arrepiou-se-lhe o corpo, parecendo-lhe também
ouvir a fala de sua esposa, que solicitava entrar. Mas, cobrando ânimo,
perguntou de novo:
—Quem
sois vós?
—
Já não conheces a fala da tua mulher? — tornou o vulto, soluçando.
—
Tão impossível é seres minha mulher, como soltarem-se agora os cavalos e
subirem ao palheiro.
Apenas
tinha acabado de proferir estas palavras, começou a ouvir-se o estrépito que os
cavalos faziam a subir os degraus da escada. Então o fidalgo correu imediatamente
a abrir a porta à sua esposa, à qual prodigalizou todos os socorros que o
desvelo lhe sugeriu para reanimar a mísera senhora semimorta de frio, e
restabelecê-la completamente.
Por
espaço de muitos anos viveu a senhora de perfeita saúde, e até deu à luz três filhos
sadios e bem nutridos; porém, desde aquele sucesso, ninguém mais a viu rir;
trabalhou assiduamente a bordar uma tapeçaria em que era figurada a sua ressurreição,
e de que fez presente à igreja dos Santos Apóstolos.
Finalmente
falecendo em idade avançada, foi depositada à entrada da igreja, junto a seu
esposo, em mausoléu alto, do qual saíam sons harmoniosos que enlevavam quem
lhes prestava atento ouvido. A história desta ressurreição foi pintada à entrada
da porta principal do templo para perpétua memória. Mas confundida na ruína de
outras muitas antigualhas da cidade de Colônia, está essa pintura meio apagada.
Também o viajante procurará hoje debalde os cavalos de pau, que , para
lembrança do caso, estavam colocados, segundo refere a tradição, à janela do
palheiro da casa em que teve lugar o acontecimento, como é fama.
Referem-se
casos pasmosos de catalepsia; talvez que a algum deles se deva a origem deste
conto, exagerado, como é usual, quando o sucesso data de longes eras, tendo
passado de geração em geração.
Fonte: Correio das Modas, 1853, ed. 01.
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