O BAÚ - Narrativa Clássica de Horror - Anônimo do séc. XIX
O
BAÚ
Anônimo
do séc. XIX
Isto
foi há cinquenta ano.
Naquela
época, ninguém amava o que era velho e da
terra, e era uma dor de coração ver como os baús eram relegados aos sótãos e aos cantos mais obscuros, como se fossem os mais indesejados trastes de
casa.
O tempo dos baús tinha passado e a maior parte
deles se achavam ignobilmente transformados em tulhas de aveia junto das estrebarias.
Adélia,
linda e muito jovem moça, acabava de sair do convento: seus pais lhe deram
parte do seu próximo casamento; que o noivo, os vestidos, as joias estavam prontos,
e os parentes convidados.
Pensando
nos vestidos, nas joias, nas plumas, Adélia era feliz. Chegou o dia das núpcias:
grande era a alegria da família, da mocinha e de suas amigas. A festa foi bela e suntuosa:
o povo, ao ver passar os noivos, e os pobres ao receber a esmola, exclamavam:
—
Que lindo par! Deus os abençoe, Deus os faça felizes!
Felizes! Sim. Vocês logo saberão.
Um
dia de casamento é sempre longo, e as horas correm penosamente. A jovem esposa
propôs a suas amigas, para se divertirem, diversas brincadeiras próprias da sua
idade... Vamos ao esconde-esconde...
—
Eu tenho um esconderijo em que ninguém
me achará — disse Adélia a si mesma.
E
eis a bela e fresca noiva subindo a escada da água-furtada, abrindo e fechando
a porta do forro; levantando a custo a pesada tampa de um enorme baú e
metendo-se dentro com o seu vestido de cetim branco, seu véu branco, muito
contente de se ter lembrado de tão seguro esconderijo... Suas amigas não a
acharão... Não...
Mas
a pesada tampa se fechou sobre ela. Quem virá descobri-la? Ninguém. As
companheiras de Adélia a procurarão por longo tempo, bem longo... Puseram-se, enfim
a gritar por ela na escada, nos corredores, à porta de todos os quartos:
—Adélia,
apareça, a brincadeira terminou! E a sua mãe e o seu marido a esperam no
salão.
Era
assim: todo mundo a esperava; em breve, todo o mundo se pôs em alerta, e
começou a procurá-la e a gritar:
—Adélia!
Adélia!....
Talvez
a pobre moça talvez ouvisse todo esse ruído, todas essas vozes; mas não podia
sair do baú. A tampa, ao cair, se tinha fechado, cerrando as presilhas. E as
lindas mãos da noiva, ornadas de anéis e diamantes, não podiam abrir o caixão
que ia ser seu sepulcro. O quanto ela não gritaria? Mas a espessura do velho baú lhe
tinha sufocado a voz, e ninguém pôde imaginar que, desgraçadamente, a jovem
noiva tivesse ali se encerrado.
Passaram
semanas, meses e anos: Adélia não apareceu, e sua mãe ficou inconsolável. O
marido de um dia não sentiu uma dor tão profunda. Esta estranha desaparição deu,
por um longo tempo, muito que falar.
Depois
que voltou a moda dos baús, aquele foi tirado do sótão e trazido, com outros
móveis, para o pátio, a fim de serem vistos, apreçados e vendidos. O baú era bom.... vai-se a abrir para ver o
seu estado por dentro. Alguns ossos, resto de um esqueleto de mulher, pedaços
de cetim branco, uma coroa de folhas de laranjeira, alguns diamantes e anéis
enfiados em dedos descarnados.... eis o que restava da jovem e bela noiva.
Fonte: “Novo Correio
das Modas”, 1854.
Adaptação textual: Paulo Soriano.
Adaptação textual: Paulo Soriano.
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