O NÁUFRAGO - Conto Clássico de Horror - Gabriel Timory
O
NÁUFRAGO
Gabriel
Timory
(18??
- 19??, ativo até a década de 1930)
Porque
o vapor que o conduzia às Antilhas havia naufragado, Eric Starvey se viu em
meio do oceano, bem incomodamente sentado sobre uns restos do navio.
Seu
primeiro impulso foi pedir socorro. Mas, a quem?
Como
não tinha à sua disposição nenhum aparelho de telegrafia sem fios, era-lhe
manifestamente impossível lançar pelo mundo inteiro a notícia de sua difícil
situação, para que de toda parte fossem ao seu encontro embarcações de socorro.
Era inútil agitar no ar seu lenço, para que o salvasse algum desses vapores que
parecem encontrar-se, sempre oportunos, perto dos lugares onde ocorrem as
catástrofes marítimas. Nenhum vapor desenhava na distância a sua silhueta
tranquilizadora. Além disso, Eric não tinha um lenço, já que o tinha esquecido na
precipitação de sua saída do vapor.
Em
outra omissão, igualmente grave, havia incorrido: a de não ter levado consigo
víveres para esperar com calma as consequências do desastre. Qualquer pessoa
pode conceber o horror de semelhante situação. Mas, o que poderia alarmar o
coração de outro náufrago, não conseguiu abater a indomável energia de Eric
Starvey.
Desde
logo, compreendeu que sua salvação dependia, unicamente, de resoluções
supremas.
Em
primeiro lugar, o essencial era alimentar-se.
Mas,
por uma fatalidade do destino, ele não se lembrara também de apanhar no vapor nem
uma mísera vara de pescar.
Em
tal conjectura, restava aos náufragos de “Medusa” o recurso de devorarem uns
aos outros. Mas o pobre Starvey se encontrava só.
De
maneira que só havia, para ele, o remédio de devorar-se a si próprio.
A esse pensamento, porém, tremeu dos pés à
cabeça, com uma sensação de mal-estar irrefreável.
Mas
as circunstâncias se impunham.
Tinha
que comer ou morrer de inanição.
Morrer,
não!... Antes devorar-se.
E
resolveu cortar um dedo do pé, com o qual entreteve o apetite pelo espaço de
três dias.
No
fim deles, o terrível sacrifício de prosseguir a carnificina se impôs de uma
forma angustiante, e, desse modo, Eric continuou tirando os seus dedos
restantes.
Na
imensa extensão do mar, não se erguia nem uma vela, não brilhava nem uma
lâmpada elétrica. Apenas as baleias os tubarões, os caracóis, os caranguejos e
outros bichos marinhos se agitavam perpetuamente inquietos, para produzir o
movimento das ondas, como os comparsas das comédias de grande aparato se movem
sob a tela pintada que substitui o mar bravio.
Starvey
teve que amputar um pé. Depois repetiu a operação com o outro...
E,
naquele instante, se deu um fenômeno prodigioso.
Starvey,
que a princípio ingerira, com repugnância e profundas náuseas, os manjares de
seu corpo, insuficientemente preparados, foi, pouco a pouco, tomando gosto por
eles... E considerou que poderiam figurar na mesa de Lúculo[1].
Excitado
o apetite pelos refinados pedaços de carne humana, se apressou a fincar o dente
nos que lhe restavam do corpo, comprazendo-se em saborear os bons bocados.
Tão
grande era seu deleite, que nem sequer procurava mais sondar o horizonte, para
ver si passava algum vapor que lhe oferecesse o seu concurso para salvar o que
restasse. O comandante de um navio francês, que navegava por aquele trecho de
mar, notou, ou antes adivinhou, a presença do naufrago, e correu em seu socorro.
O
lobo do mar gritou-lhe:
—
Olá, cavalheiro!
Como
o naufrago guardava silencio, o comandante insistiu:
—
Olá, Cavalheiro!
Mas
Starvey continuou calado, sem se dignar dar uma resposta.
É
que ele estava muito ocupado a devorar a própria boca, último pedaço do corpo
que ainda lhe restava...
Fontes: Fon-Fon, edição
de 7 de novembro de 1931 e Jornal das Moças, edição de 28 de janeiro de 1926.
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