A EXECUÇÃO DE LUÍS XVI SEGUNDO O SEU PRÓPRIO CARRASCO - Narrativa Verídica - Charles-Henri Sanson



A EXECUÇÃO DE LUÍS XVI SEGUNDO O SEU PRÓPRIO CARRASCO

Charles-Henri Sanson

(1739 – 1806)

 Em 13 de fevereiro de 1793, o jornal Le Thermomètre du Jour, de grande popularidade na Paris do século XVIII, publicou um artigo aviltante à memória de  Luís XVI, decapitado há pouco mais de vinte dias.

O seu autor, Jacques-Antoine Dulaure (1855 – 1843), ligado aos jacobinos, fora eleito em setembro de 1792  à Convenção Nacional e, como parlamentar investido na função jurisdicional, votara pela morte do rei.

Segundo Dulaure (1835 – 1843), o rei teria enfrentado covardemente a morte na guilhotina. Citando Charles-Henri Sanson,  o verdugo executor de Luís XVI, como fonte,  o artigo infamante dizia que, diante da horrenda máquina de morte, o rei gritara:

— Estou perdido!

Foi ninguém menos que Sanson quem acorreu em defesa do rei ultrajado. Demonstrou,  com a sua inegável autoridade de carrasco oficial de Paris, o quão falso e tendencioso era o artigo nominado, justa e ironicamente, “Relato exatíssimo sobre a morte de Louis Capeto”.

Eis o teor da carta,  redigida pelo verdugo — e dirigida ao jornal —, restabelecendo a verdade quanto à conduta do rei no cadafalso:

 

Ao sair da carruagem para ser executado, disseram-lhe que deveria despir-se. Ele levantou algumas dificuldades, redarguindo que podia ser executado assim como estava. Advertido de que tal era impossível, ele próprio ajudou a tirar o casaco. Voltou a levantar a mesma dificuldade quando se tratou de atar-lhe as mãos; mas ele as estendeu  quando a pessoa que o acompanhava disse-lhe que era um último sacrifício.

 

Depois, perguntou se os tambores continuariam a rufar, e lhe disseram que não sabiam, o que era verdade. Subiu ao cadafalso e quis adiantar-se, como que para falar; mas preveniram-no de que era impossível. Permitiu-se levar para o lugar onde fora amarrado e de onde, muito alto, gritou: "Povo, morro inocente!”.  Dirigindo-se a nós, disse: "Senhores, sou inocente de tudo aquilo de que sou acusado; desejo que o meu sangue possa cimentar a felicidade dos franceses”.

 

Estas são as suas verdadeiras e últimas palavras. Aquela pequena espécie de discussão, travada ao pé do cadafalso, versou sobre o fato de que ele achava desnecessário despir a casaca e ter as mãos atadas. Propôs, também, cortar ele mesmo os seus cabelos.

 

Para prestar homenagem à verdade, digo que ele suportou tudo aquilo com uma compostura e firmeza que nos surpreendeu a todos. Estou firmemente convencido de que ele retirou essa firmeza dos princípios da religião, dos quais ninguém parecia mais compenetrado e persuadido do que ele.

 

Podes usar a minha carta como contendo a verdade mais verdadeira e mais exata.

 

Tradução de Paulo Soriano

 

 


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