UMA EXECUÇÃO NA PÉRSIA - Narrativa Clássica de Horror - Narrativa Verídica - J. C. Wilson



UMA EXECUÇÃO NA PÉRSIA

J. C. Wilson

(Séc. XIX)

 

Durante a minha residência em Teerã, fui testemunha de um espetáculo horrível.

Uma mulher do harém tinha sido condenada à morte. A curiosidade, bem desculpável em um viajante, triunfou sobre os meus sentimentos de humanidade e me impeliu a assistir ao suplício daquela infeliz.

A multidão de espectadores era tão grande que tive bastante dificuldade em obter um lugar de onde pudesse ver à minha vontade. Defronte do harém, sobre uma pequena altura levantada para esse efeito, tinham colocado um grande morteiro de bronze, junto do qual estava um artilheiro com a tocha acesa.

Imediatamente, vi os oficiais de justiça atravessando a multidão, abrindo caminho à força de pauladas. Atrás deles avançava a vítima, cercada de guardas. Estava envolvida, da cabeça aos pés, numa peça de pano preto que lhe escondia a face. Caminhava com passo firme. O seu porte era deveras solene. De espaço a espaço, dirigia algumas palavras a um eunuco que a acompanhava. Mas o rumor que o povo fazia me impediu de ouvir o que ela dizia.

À proporção que se aproximava, o rumor diminuía. E quando ela chegou junto à arma fatal, cessou inteiramente. Aproveitando-se do silencio, ela entrou a falar ao povo com uma calma que surpreendeu a todos, e com uma voz tão claramente articulada que não se per dia uma só de suas palavras. Os oficiais de justiça, vendo que o discurso causava impressão nos espectadores, a interromperam. Ela deixou de falar e entregou-se em suas mãos.

Puseram-na diante do morteiro. Ali permaneceu firme e tranquila, sem dirigir súplica alguma a seus algozes, e mesmo sem derramar uma só lagrima. Disseram-lhe que ajoelhasse, e unisse o peito à boca do morteiro, o que ela fez sem hesitar. Es tenderam-lhe os braços, e ligaram-lhe os pulsos a dois barrotes que tinham sido colocados à direita e à esquerda do morteiro. Mas a infeliz não deu o menor sinal de comoção. Reclinou a cabeça sobre o morteiro e permaneceu alguns instantes nesta posição, esperando a sua sorte com um heroísmo digno do mais intrépido soldado.

Finalmente deu-se o sinal, e o pavio, levantado no ar, desceu vagarosamente para o ouvido da peça. No momento em que a mecha incendiada ia tocar na pólvora, um estremecimento geral se sentiu em toda a assembleia. A escorva inflamou-se, mas não comunicou o fogo à carga, e a vítima levantou a cabeça para ver o que tinha sucedido.

Um clarão de esperança penetrou a minha alma. Pensei que as coisas não iriam mais longe, e que tinham resolvido poupar a vida daquela infeliz. Mas não fiquei por muito tempo neste doce engano.

Renovou-se a escorva e o pavio foi de novo levantado. A vítima tinha reposto a cabeça sobre o morteiro e, desta vez, tinha dado um baixo gemido. No mesmo instante, a explosão rebentou e a fumaça encobriu tudo aos meus olhos. Quando ela se dissipou, distinguimos os dois braços negros e tisnados que pendiam dos barrotes onde os tinham atado. E, a alguma distância, por diante do morteiro, jaziam espalhados um pé, uma perna, e alguns fragmentos do véu preto que cobrira a vítima, Tudo o mais tinha desaparecido.

Ao estrondo da explosão, duas mulheres correram do portal do harém. Foram soltar os braços, esconderam-nos debaixo do seu véu, e tornaram a entrar precipitadamente no harém com aquelas horrorosas provas de que a justiça fora satisfeita.

 

Tradução de autor desconhecido.

Fonte: “Bibliotheca Familiar e Recreativa”, nº 19, 1842.


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