LA DEMOISELLE D’AVINGNON - Conto Insólito - Júlio Portus Cale
LA DEMOISELLE D’AVINGNON
Júlio Portus Cale
Dois
dos mais respeitáveis críticos de arte da França estavam a passear num bulevar
que placidamente margeia o Sena. Era uma bela noite. E a atmosfera era tão
agradável e diáfana que deveria inspirar assuntos da mais sublime erudição.
Mas, ao contrário do que convém a espíritos tão graves e circunspectos, não era
sobre arte o que discorriam aquelas sumidades magníficas. Era sobre a vida
alheia.
—
Soube da viúva Leclerc, a ricaça de Avinhão?
— perguntou o mais idoso e, aparentemente, mais sábio.
—
Ouvi rumores — disse o mais jovem.
—
Pois é verdade. Está no manicômio de Alpes-Isère.
—
Ouvi dizer que enlouqueceu depois de uma cirurgia plástica.
—
Sim... Foi o Dr. Maindange que a operou.
—
Justamente com quem ela teve um entrevero no ano passado? Dizem que Maindange é
tão hábil quanto vingativo...
—
Mas não foi esse o caso. Garanto que Maindange fez um trabalho magnífico. Eu
sei, meu caro Beaugeste, de todos os detalhes. Ela foi ao consultório do
cirurgião plástico com uma exigência: queria ostentar na face uma obra de arte
do mais brilhante entre os mais famosos artistas. É claro que o médico
consentiu, mas impôs uma exigência...
—
Qual? — perguntou Beaugeste, o mais jovem e menos circunspecto.
—
A de que ele escolheria o artista.
—
Nada mais justo. Uma condição razoável imposta por um médico que, no fundo, é
um artista. Não diria brilhante, é claro, é evidente... Mas, ainda assim,
artista.
—
Pois bem... Sabe Les Demoiselles d’Avingnon? Ele escolheu remodelar a
face da viúva com a cara da moça sentada no canto direito do quadro. E se saiu
muito bem, o doutor. Ficou uma perfeição. Digo isto ex cathedra. Uma cópia exata da figura magistralmente
concebida pelo Divino Mestre. Um primor! Mas parece que a viúva Leclerc não
gostou do resultado...
—
Como assim? Por que não?
—
Convenhamos, mon cher...
O
crítico puxou o confrade pelo braço e, olhando desconfiado para os lados, para
não ser visto e ouvido naquela confidência, sussurrou, a um milímetro do ouvido
do colega:
—
A velha ficou feia como o diabo!
—
Ah, isso não importa! Tudo que vem do Divino Mestre é sublime, uma obra-prima inigualável.
Realmente, muito me admira essa viúva... Ter para sempre na cara uma obra de
arte extraordinária de Picasso e ainda
achar ruim, achar de enlouquecer?! Vá entender esses leigos!...
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