OS ENDEMONINHADOS DE PERNAMBUCO - Narrativa Clássica Sobrenatural - Frei Antônio de Santa Maria Jaboatão

 


OS ENDEMONINHADOS DE PERNAMBUCO

Frei Antônio de Santa Maria Jaboatão

(1695 – 1779)

 

 

Nascido em Santo Amaro de Jaboatão, Pernambuco, em 1797, o franciscano Antônio de Santa Maria Jaboatão era, conforme registra Câmara Cascudo, “grande orador, desenhista, definidor, duas vezes guardião no convento no Recife e na Paraíba”. “O Novo Orbe Seráfico Brasílico”, publicado em 1761, é, conforme esclarece o ilustre antropólogo potiguar, uma “relação miraculosa dos trabalhos da Ordem no Brasil, com registro crédulo dos milagres e intervenções estupefacientes, refletindo fielmente a mentalidade da época e todas as tendências populares para o maravilhoso e o sobrenatural”.

 

Por este tempo com pouca diferença, no lugar do Meirepe, arrabalde da Povoação, sucedeu, que um soldado português ali morador se achava bastantemente vexado do demônio. Já lhe aparecia em forma visível, e incitando-o a que se enforcasse. Outras vezes o intentava fazer o mesmo demônio, avançando a querê-lo sufocar; mas invocando o homem a S. Antônio, de quem era particular devoto, se ausentava o inimigo. Em uma ocasião se encontrou este homem com um religioso nosso, e comunicando-lhe este temor, e receio, com que andava, lhe deu o religioso em um papel escritas certas palavras, ou oração, advertindo-lhe, que as rezasse, ou as dissesse na ocasião daqueles encontros, por que com elas seria livre para sempre daquela tribulação; e assim foi, porque dali por diante a não sentia mais. Foi o homem ao Convento a procurar aquele religioso, e entrando primeiro na igreja a fazer oração, reparou para a imagem do Santo no seu altar, e reconhecendo ser o mesmo, que lhe havia aparecido, deu vozes, acudiram alguns religiosos, e ele depôs perante todos o caso, e que o frade era aquele mesmo, que estava no altar, o Glorioso Santo Antônio.

 

Todo o referido consta de uma memória escrita no livro cartório deste Convento, e se conforma com esta outra, que se acha no cartório da casa do mesmo Santo da vila de Igarassu, que repetimos com os próprio termos do seu autor: —No ano de 1660, estando já restaurada a terra pelos Portugueses, sucedeu um caso notável neste Convento de S. Antônio de Igarassu, o qual foi, que estando uma mulata endemoninhada, que morava perto do dito Convento, e por mais exorcismos que lhe fizeram, nunca lhe puderam lançar o demônio fora, e vieram pedir a este Convento um religioso, que lho lançasse fora. Mandou o Prelado lá um frade, o qual, chegando aonde estava a endemoninhada, começou ela a gritar dizendo que aquele Frade a ia lançar fora da sua casa; e assim foi que, tanto que o frade lhe disse certas palavras, saiu logo o demônio fora da mulata.

 

Estas palavras deu S. Antônio a um soldado nos Meirepes do Pojuca, aparecendo-lhe na figura, e forma, que está em nosso Convento de Pojuca, como o confessou, e declarou o dito soldado, o qual andava mui atribulado do demônio, que lhe aparecia visivelmente, e o queria afogar, e chamando muitas vezes por Santo Antônio, como está dito, lhe deu estas palavras escritas, que as dissesse ao demônio, quando lhe aparecesse, e dizendo-lhas nunca mais lhe apareceu, nem lhe fez mal algum. Estas palavras estão escritas em o cartório do Convento de Pojuca em memória desse milagre, que fez o Santo. Assim foi, que ali estiveram muitos anos até o de 1726, que sendo Prelado Maior desta Província um padre escrupuloso em matéria de milagres, e tendo cá por dentro dos nossos claustros religiosos doutos, que lhe podiam tirar este escrúpulo, o foi consultar com o P. reitor do colégio do Recife, devendo fazer disto maior escrúpulo; e por resolução, e doutrina sua, arrancou do livro cartório do Convento as folhas em que estavam escritas estas palavras, que os mais antepassados seus conservaram por tantos anos.

 

Por ocasião deste caso repetiremos outro acontecimento no mesmo tempo, pois dele resulta sem dúvida gloria ao nosso Santo titular desta casa em crédito de um filho seu contra juízos temerários, e errados, e ainda em confusão dos próprios hereges, e o transladamos assim como está no cartório deste Convento. — No tempo em que os holandeses ocupavam esta terra de Pernambuco, sucedeu neste Convento de S. Antônio de Pojuca um caso notável, o qual foi, que estava nesta freguesia uma moça endemoninhada; dizendo o demônio, que estava nela que não havia sair daquele corpo sem o lançar dele fora um religioso nosso chamado Fr. Pantaleão de S. Catarina, que era morador deste Convento; vieram logo a buscá-lo, e pedirão ao guardião, que era Fr. Luiz de S. André, que mandou lá aquele frade o qual não estava no Convento, que andava ao pedido das esmolas, mas o guardião lhe mandou recado, que de lá fosse aquela diligência e o religioso, obedecendo, partiu logo; e não podendo chegar naquele dia aonde morava a enferma, tomou agasalho em casa de umas mulheres devotas da Ordem; o que sabendo o senhor da casa onde assistia a doente, começou a murmurar do religioso, que dormira em casa daquelas mulheres; e o demônio, que estava no corpo da enferma, lhe disse que era um homem mau o e malicioso; porque aquele frade era bom, e virtuoso, que oxalá fora ele como era o frade. Chegando depois o dito frade pela manhã aonde estava a enferma e mandando ao demônio, que saísse daquele corpo, saiu logo. Porém daí a algum tempo tornou a entrar na dita moça, dizendo que o tornasse a levar àquele frade para o lançar dali fora. Levaram a endemoninhada a este nosso Convento, e estando na Igreja achando-se presentes alguns dos holandeses, que estavam de guarda, começou o demônio a falar a língua holandesa pela boca da moça e a dizer aos holandeses os pecados que eles tinham cometido cá no Brasil, e na sua terra, de que eles ficaram mui admirados, e disseram que sem dúvida alguma aquele era o Diabo. Depois disto, veio o frade à igreja, e, perguntando-lhe por que tornara a entrar naquele corpo, lhe respondeu que tornara a entrar pelo pouco caso que se fizera daquela obra de Deus, e lhe não pediam sinal para o porem em memória no altar de Nossa Senhora; o que ouvindo o religioso, disse que pois assim era saísse logo fora daquele corpo e desse sinal; e logo a moça lançou pela boca um anel de azeviche que se pôs no altar de Nossa Senhora da Conceição em memória deste milagre, e o demônio saiu fora daquele corpo, e nunca mais tornou a ele, e os holandeses dali por diante tiveram grande veneração, e respeito aos nossos religiosos.

 

 Da singela narração deste caso parece se estão percebendo com toda a evidência as breves notas, que ao princípio ficam feitas.

 

 

 

Fonte: O Novo Orbe Seráfico Brasílico, Tipografia de Maximiano Gomes Ribeiro, 1861, Rio de Janeiro.

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