O ENCONTRO MACABRO - Conto Clássico de Terror - Collin de Plancy
O
ENCONTRO MACABRO
Collin
de Plancy
(1794
– 1881)
No
primeiro dia de janeiro de 1613, durante aquelas chuvas que nos atormentam por
um bom tempo, um jovem cavalheiro de Paris, regressando, por volta das quatro
horas, de um repasto em companhia de amigos, com os quais passara boa parte do
dia, deparou-se, numa ruela à entrada de sua casa, com uma uma jovem elegante,
que semelhava alguma cortesã. Trajando um vestido de tafetá decotado e adornada
por um colar de pérolas e várias outras belas e conspícuas joias, a jovem
mulher, parecendo surpresa, dirigiu-se ao cavalheiro com um sorriso,
dizendo-lhe:
—
Embora a chuva agressiva não permita que eu me submeta aos seus caprichos,
prefiro, no entanto, expor-me a ela a lhe trazer o menor inconveniente do mundo.
Assim, ocupo, aqui, sem nenhuma permissão, a entrada de sua casa. Mas, se tal é
algo que posso fazer sem seu descontentamento, eu lhe serei grata por toda a
minha vida, como qualquer um dos que já tiveram a honra de ser o seu mais afetuoso
servo.
O
cavalheiro, avaliando, pela sua aparência, quem poderia ser aquela jovem
mulher, e ponderando a honestidade de suas palavras, julgou que era o seu dever
ajudá-la, tanto por palavras como por gestos, e, por isso, disse-lhe:
— Senhorita, lamento profundamente que tenha
chegado tarde demais para que pudesse testemunhar a hospitalidade que sempre
dediquei às senhoras e, principalmente, às de sua posição. E saiba que não
ofereço à senhorita apenas abrigo, senão tudo o que eu lhe possa ofer e que
esteja ao meu alcance. Portanto, rogo-lhe que entre em minha casa e espere a
chuva passar.
—
Senhor — disse-lhe a jovem —, não me creio merecedora da oferta que me é feita,
mas dela sempre me lembrarei. Rogo-lhe, apenas, que me permita esperar aqui a
minha carruagem, que mandei buscar pelo meu lacaio.
—
Não — disse o cavalheiro. — A senhorita há de me fazer o favor de provar de uma
insignificante refeição, enquanto espera pelo seu criado. E, embora saiba que
não a recebo em conformidade com a sua posição e o seu mérito, hei de
esforçar-me por acolhê-la, porque este é o meu dever.
Finalmente,
após várias disputas de ambos os lados, a jovem entrou, demonstrando extremo
aborrecimento com a demora de seu lacaio.
Transcorreu
o dia sem que o lacaio voltasse a pé ou de carruagem. Durante a ceia, o cavalheiro
procurou tratá-la da melhor maneira possível e, quando chegou a hora de recolher-se,
a jovem senhora implorou-lhe que, havendo o gentil-homem lhe prestado tantas
honrarias, lhe permitisse, ainda, a ventura de conceder-lhe uma cama de uso
exclusivo, pois não seria fácil a uma jovem senhorita admitir alguém em seu
leito. A tal pedido, o cavalheiro prontamente anuiu.
Enquanto
ela se preparava para deitar-se, o cavalheiro rendeu-lhe alguns discursos
amorosos. Vendo que a moça se exibia versada em suas respostas, o cavalheiro
animou-se. E, crendo que obteria facilmente dela aquilo que desejava, deixou-a
ir para a cama.
Mais
tarde, impelido pela audácia que só o amor nos confere, procurou-a em seu leito.
Arranjou um pretexto para sondá-la, perguntando à senhorita se ela estava bem
ou não. E, sorrateiramente, enquanto falava, pousou a mão no peito da jovem, que
lhe permitiu o avanço. Finalmente, depois de várias investidas, logrou alguns
beijos com a promessa de outra coisa. E eis o pobre cavalheiro à volta com as
dificuldades em obter o que gostaria que lhe fosse concedido. Mas, depois de
vários beijos, que acendem o fogo em sua alma, depois de uma infinidade de
preces, recebeu aquilo que tanto desejava: de repente, estava na cama,
desfrutando por muito tempo os prazeres que acreditou serem perfeitos.
De
manhã, receando que alguém, vendo-o com a jovem mulher, pudesse ter maus
pensamentos sobre ela, cuidou de levantar-se. Chamou o lacaio, dando-lhe a
ordem de acordá-la. A este, a moça respondeu que não tinha dormido à noite, e
que a deixasse repousar durante a manhã.
O
criado reportou o acontecido ao seu mestre que, depois de um pequeno giro pela
cidade, voltou com alguns de seus amigos. Antes de levá-los à sala, seguiu
primeiro, sozinho, ao quarto onde estava a jovem, para se desculpar por não lhe
oferecer um melhor tratamento.
Fechou
a cortina e, depois de chamá-la com palavras carinhosas, quis tomá-la pelo
braço. Sentiu-a, porém, tão fria quanto um bloco de gelo. A jovem não tinha pulso
ou respiração. Aterrorizado, chamou os convidados. Quanto estes chegaram, encontraram
a jovem rígida e morta. Em seguida, vieram os médicos e os investigadores da
Justiça. Concordaram todos que se tratava do corpo de uma mulher que fora
enforcada há algum tempo[1].
Especularam, também, que talvez um espectro, ou um demônio, houvera possuído o
seu cadáver para ludibriar aquele pobre cavalheiro.
Mal
tinham proferido estes comentários quando, à vista de todos, da cama evolou-se
uma fumaça densa e escura, cuja manifestação durou cerca de doze segundos. Assim
que a fumaça, gradualmente, se dissipou, viram que quem estivera na cama havia
desaparecido...
Fonte: Histoire des Vampires et des Spectres.
[1]Alguns firmam
que a jovem tinha saído por vontade própria, ou por violência, na ausência do
cavalheiro, pelo que o criado, que era devoto, acompanhado por algumas pessoas
de mesma índole, havia colocado um cadáver na cama do seu amo para lhe dar uma
lição de continência. Se esta história não é um conto, esta suposição explica-a.
(N. do A.)
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