A MULHER ESQUELETO - Conto de Terror - Conto Tradicional Esquimó (Groenlândia)
A
MULHER ESQUELETO
Conto
Tradicional Esquimó (Groenlândia)
No
extremo Norte, onde não há nada além de gelo e neve, e um céu de chumbo sobre
um mar azul-acinzentado, um barco adejava sobre a água. Nele, havia um
pescador, que nada havia apanhado o dia inteiro, mas insistia em pescar. Um
peixe lhe seria suficiente. Solitário, não tinha ninguém sob os seus cuidados e
nenhum mortal se preocuparia se retornasse tarde para casa, ou mesmo não
voltasse jamais. Uma lágrima rolou por sua face enquanto pensava nestas coisas.
Mas, rapidamente, enxugou o rosto e continuou a pescar.
De
repente, sentiu um puxão na linha. Era uma fisgada! Quando, com cuidado, puxou a linha, percebeu
que aquilo não era um peixe pequeno. Era algo maior do que a maioria dos
peixes, embora menor do que uma foca. E branco... mais branco do que o branco. Mas...
o que havia sob a água? Parecia uma mulher.
O
esqueleto de uma mulher!
A
mulher esqueleto emergiu da água bem à sua frente, exibindo-lhe um sorriso no
crânio desnudo. Estava na lateral do barco e tentava agarrar-se à borda com os seus
dedos ossudos. Há quanto tempo estava deitada no fundo do mar, balançando-se ao
sabor das correntes, enquanto os peixes grandes mordiscavam a carne presa aos
seus ossos, e os pequenos brincavam entre suas costelas? Não sabia. Sabia
apenas o quão era maravilhosa sensação de estar de volta ao mundo dos vivos!
—Vá
embora! — gritou, apavorado, o pescador.
Largou
a linha de pesca, agarrou o remo e bateu no esqueleto até que este soltou o
barco. Então, o pescador remou de volta para a praia o mais rápido que pôde.
Mas
foi seguido pelo esqueleto feminino, que balançava os braços ossudos como se
gritasse: "Espere por mim! Espere por mim!”
O
homem remou mais forte e o esqueleto de mulher nadou, atrás dele, com os ossos
barulhentos, sacudindo a cabeça freneticamente.
"Espere
por mim!", parecia gritar
Na
praia, o pescador saltou do barco, agarrou sua vara de pescar e correu pela
planície gelada, repleta de neve, até chegar em casa.
E
engatinhou para dentro de sua toca, sentindo a forte pulsação do seu coração
reverberar na garganta. Por fim, sentiu-se seguro, escondido em seu iglu branco
no meio da neve branca. Depois de um tempo, ele parecia um pouco melhor. Começou
a desembaraçar sua linha de pescar e enrolá-la num pequeno novelo.
Então,
ouviu o chocalhar de ossos do lado de fora e, um momento depois, o esqueleto
feminino rastejou para dentro do iglu!
O
pescador parou os afazeres. Seu coração disparara novamente. O esqueleto
feminino, aquele feixe de ossos, estava muito quieto. Prostrou-se, esperando
pacientemente. Então o pescador entendeu o que havia acontecido. A mulher
esqueleto não podia vê-lo, porque os peixes haviam comido seus olhos há muito
tempo. E não conseguia ouvi-lo, porque também não tinha ouvidos. Ele mesmo a carregou,
porquanto o esqueleto estava emaranhado na sua linha de pesca.
O
pescador sentiu pena daquele ser. Portanto, começou a desenredá-lo gentil e
suavemente. Levou um longo tempo. Mas,
no final, ele recompôs os seus ossos corretamente. Então, rastejou de volta
para o seu lado da pequena toca de neve.
A
mulher esqueleto ergueu-se de onde o pescador a colocara e foi sentar-se junto
a ele, com os ossos chacoalhando de frio e medo, até que o homem lhe jogou um
cobertor de peles.
—
Basta entrar aí — disse ele — e me deixar dormir em paz!
Enquanto
o pescador dormia, outras lágrimas de solidão rolaram por sua face.
A
mulher esqueleto não podia ver, ouvir ou cheirar — mas ela podia sentir que o
homem chorava. E estava com sede. A mulher rastejou até o homem e começou a
beber-lhe as lágrimas. E aquelas poucas
lágrimas se tornaram um rio repleto de água da vida. Ela recostou-se em seu
peito e ouviu o coração do homem bater como um tambor. E a batida daquele
tambor vibrou através de seus ossos como uma canção, restaurando a carne sobre
os seus ossos e os cabelos em sua cabeça. Seus olhos podiam ver novamente e
seus ouvidos podiam ouvir, e seu próprio coração batia e batia e batia...
Quando
o homem acordou, não havia mais esqueleto, senão uma mulher viva, de verdade, e
ele sabia que nunca se sentiria sozinho novamente.
Ficaram
juntos por toda a vida, e os peixes que dela se alimentaram no fundo do mar
garantiram que o pescador e sua esposa nunca mais passassem fome. As pessoas do
Norte ainda contam esta história — e juram que é verdade!
Versão em português
(tradução indireta): Paulo Soriano
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