O SINISTRO NATAL DE RANDOLPH CARTER - Conto de Terror Natalino - Rogério Silvério de Farias
O
SINISTRO NATAL DE RANDOLPH CARTER
Rogério
Silvério de Farias
Quando
Randolph Carter se aproximou dos anos finais, sentiu-se amargo e terrivelmente
só naquela velha casa coberta de heras, na rua antiga do bairro afastado no
centro de Londres, onde sonhara com Kadath, Celephais e a Chave de Prata. Mas
agora ele já era velho demais, e a chave da porta dos sonhos havia sido perdida
para sempre, para sempre.
E
diante do nada da vida, ele teve a certeza intrínseca de quem acorda para a
vigília e dessa forma corrobora a opinião e a assertiva de que a alma tem,
quando acorda em si mesma, de que tudo, no final das contas, se traduz em caos,
monotonia, tédio e dor. Carter, então, cessou de ser aquela espécie de
humorista filosófico, pois percebera que o humor também é vão num mundo
indiferente, destituído de qualquer consistência, inconsistência ou sentido.
E
de repente, agora, na véspera de Natal, ele sentia-se ainda mais melancólico, e
nada há de mais triste e sombrio do que uma véspera de Natal para um velho
solitário e amargurado como Randolph Carter.
A
chuva caíra durante todo o dia sobre Londres, mas agora descera a noite límpida
e enluarada, o céu claro e estrelado emanava um perfume suave e úmido de
nostalgia, saudades de coisas extraordinárias vividas apenas nos cosmos dos
sonhos.
Mesmo
com os constantes achaques da velhice, Carter costumava levantar-se todas as
noites da cama para apreciar a imensidão do céu, para sonhar com o rio
Oukranos, os píncaros de Thran e as selvas perfumadas de Kled.
Naquela
noite de véspera de Natal, debruçado sobre o caixilho, Carter olhava a lua e se
lembrava, sob uma névoa de sentimentos nostálgicos, dos dias da infância e
juventude, quando então o mundo lhe parecia um jardim agradável e sedutor no
qual se podia sonhar com galeras festivas e coloridas, nas regiões onde o mar
encontra o céu, em Celephais.
O
tempo passara e agora não havia mais esperanças infantis, e então Randolph
Carter era apenas um velho a sonhar solitário, debruçado na janela, num bairro
sombrio de Londres.
Tentara
ser escritor, mas seus escritos eram exóticos, grotescos e tinham como tema a
estranha beleza sempiterna dos sonhos, mas tudo que escrevia era visto como
excentricidade e bizarrice de um poeta sonhador a fugir constantemente do caos
da vida através de reinos opiáceos.
Carter
havia sido feliz sim, num tempo que já não havia mais, a não ser na mente de um
sonhador do infinito.
E
então era isso a vida? Mas passara tão rapidamente – mais do que um sonho ou
uma pilhéria!
A
juventude tinha passado, e com ela o viço da vida, e a juventude é como um
relâmpago dourado no céu nublado da existência humana. Então só restaram a
Carter o ocaso dos anos, a velhice e a solidão, naquele quarto nos subúrbios de
Londres, num quarto com uma janela aberta para um céu estrelado. A alma de
Carter abismara-se desde dentão nas reminiscências pungentes dos anos
indeléveis que não voltariam nunca mais, a não ser na mente sonhadora de um
poeta obscuro.
Ao
chegar a meia-noite, veio então o Natal, e o Natal é uma data terrível para um
solitário e sonhador. Ele agora estava na cama, pois se sentira cansado de
tudo, da solidão, da vida...
Ainda
assim Carter tinha a visão do céu estrelado, e ali deitado, ele sentia a brisa
noturna entrando janela adentro e acariciando seu rosto naquele Natal frio e
úmido.
Oh,
ele pensou, se houvesse um meio de encontrar a Chave de Prata, a chave que abre
a porta dos sonhos, se houvesse um meio de voltar a ser criança ou jovem outra
vez, voltaria a acreditar em Celephais e nas regiões onde o mar encontra o céu.
Se voltasse a ser criança, deixaria de ser sombrio e voltaria a crer em Papai
Noel, e até pediria um presente ao Bom Velhinho.
O
Natal é uma coisa terrível para um velho solitário e acabado, e então Carter
soluçou e chorou, lembrando- se do colo de sua mãe, quando, na infância remota,
ele deitava-se e sonhava com as coisas maravilhosas e terríveis além das
cúpulas de calcedônia de Narath.
Era
Natal, e foi com esforço que Carter ergueu- se do leito e foi até a janela. Mas
de repente, quando o final se aproximava para Randolph Carter, ele ouviu sinos,
canções de Natal e a risada inconfundível do Bom Velhinho... E de repente
Carter não era mais um velho num quarto numa casa dos subúrbios londrinos, mas
sim um garoto alegre e ansioso debruçado na janela.
E
pode ver, lá fora, a silhueta entre a penumbra da noite, o trenó voador puxado
por renas aladas e alguém trajando roupas de Papai Noel. A figura sombria de um
Papai Noel sinistro, que era uma farsa e que era tudo menos um Papai Noel,
sorriu sardonicamente, e Cárter viu que era uma entidade macabra e medonha com
rosto de caveira e que lhe falou, em seguida, num tom de voz semelhante à de um
morto no fundo da terra:
—
Vamos, Carter! É chegada tua hora. Trouxe-te teu presente, neste teu último
Natal. Vim buscar-te, pois te levarei para muito além de Kadath ou Celephais.
Carter
perguntou, então:
—
É meu presente?
—
Sim, vem, agora, comigo, para as terras além dos sonhos, nos reinos dos que não
mais sonham e dormem...
Carter
pulou a janela e embarcou, lá embaixo, no trenó, mesmo sabendo que seu destino
não era nem Celephais nem Kadath. O trenó voador sumiu-se na noite, e foi visto
como uma silhueta recortada contra a lua cheia por outros sonhadores debruçados
sobre uma janela voltada para o céu noturno e estrelado.
E
foi assim que Randolph Carter foi levado pelo Anjo da Morte, que sob o disfarce
de Papai Noel, lhe concedera o descanso eterno, seu último presente, no último
e sinistro Natal de Randolph Carter... e seu presente tinha sido... a morte!
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