A POSSUÍDA DA TOSCANA - Narrativa Clássica Sobrenatural - Jean Bolland


A POSSUÍDA DA TOSCANA

Jean Bolland

(1596 – 1665)

Tradução de Paulo Soriano

 

Enquanto milagres aconteciam em torno do corpo do Papa Leão IX, canonizado há poucos dias, uma mulher da Toscana, culpada de certos pecados não mencionados, ousou entrar na igreja misturando-se à multidão. Imediatamente o Diabo, que habitava o seu corpo, começou a gritar, pela boca desta mulher:

— Ó São Leão! Por que me oprimes tão tenazmente? Eu nunca te fiz mal algum...

Conduziram prontamente a mulher possuída ao corpo sagrado. Os bispos que ali estavam ali disseram ao demônio:

— Responde, maldito: como entraste no corpo dessa mulher? Quem te deu o poder de atormentar os cristãos?

O demônio respondeu:

Eu e os meus pares somos acusados ​​de tentar os cristãos, de fazer com que percam as suas almas e obsedá-los até que se submetam às nossas leis. Quando eles se rendem à nossa influência, nós os possuímos e nos alojamos em seus corpos, como em uma tenda preparada para nos acolher. Podeis deduzir que isto é feito paulatinamente, para que não assustemos as pessoas temerosas.

— Muito bem — respondeu um padre —; mas, depois de alojado, por que motivos dás a conhecer a tua presença? Responde, vilão!

 — Primeiro, quando nos assenhoramos do corpo — respondeu o demônio —, trazemos a indolência, a preguiça e a gula; e a pessoa que nos alberga passa o seu tempo dormindo e comendo, as coisas correm bem e somos bem retribuídos por nossos superiores. Mas, depois, se somos levados à igreja entre os bons católicos, somos forçados a alijar-nos dela, e atormentamos o corpo que nos hospeda para o forçarmos a sair do recinto sagrado.

— Certo — acrescentou um bispo. — Conjuro-te, agora, a que nos diga se o papa Leão está entre os santos.

— Ah, velho bruxo! — gritou o demônio. — Estás a falar de nosso mais terrível inimigo. Ele arrebatou mais pessoas para o céu do que nós as seduzimos ao inferno. Ele nos assedia por todos os lados, persegue-nos nos por toda parte, e já sinto que ele vai me afugentar daqui. Para nós, é uma imensa desgraça que ele seja tão poderoso no céu...

Quando o demônio acabou de proferir essas palavras, uma mulher perversa, que ali estava, teve a impiedade de dizer:

— Quando o papa Leão expulsar os demônios, eu serei rainha.

Mal havia concluído a sua horrenda frase, o demônio saiu da possuída da Toscana e se atirou, violentamente, sobre mulher blasfema, a quem passou a atormentar severamente.

É provável que São Leão tivesse sido suficientemente indulgente para libertá-la. No entanto, a história não o diz.

 

Fonte: Collin de Plancy, Le Diable Peint par Lui-Même.


 

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