NOTÍCIAS DO AMANHÃ - Conto Clássico de Terror - Holloway Horn
NOTÍCIAS
DO AMANHÃ
Holloway
Horn
(Sécs.
XIX e XX; ativo até a década de 1930)
Dificilmente
poderíamos considerar Martin "Knocker" Thompson um cavalheiro.
Prova-o o passado de organizador de lutas de boxe duvidosas e amigáveis
partidas de pôquer. Não tinha lá grande imaginação, mas não lhe faltavam
esperteza e alguma habilidade. Sua cartola, suas polainas e o grampo de ouro de
sua gravata poderiam ter sido mais extravagantes, mas ele cuidava de disfarçar.
A
sorte nem sempre soprava a seu favor, mas o homem persistia. A explicação não
era difícil: “para cada otário que morre no mundo, nascem outros dez”.
No
entanto, na tarde em que se encontrou com o velho homem, Knocker não tinha um
tostão no bolso. Havia dedicado a tarde a uma reunião sobre finanças num hotel.
As prolíferas opiniões de seus dois sócios não o incomodavam em nada, mas o importunava
o fato de que haviam retirado o seu crédito.
Virou
a esquina da Whitcomb e seguiu em direção a Charing Cross. O mau-humor
acentuava a feiura de sua cara, e a carranca resultante inquietava as pessoas
que a olhavam.
Às
oito horas da noite, a rua Whitcomb já não era muito concorrida e não havia
ninguém por perto quando o velho falou com Knocker. O ancião estava encolhido
num portão próximo à Pall Mall e Knocker não podia enxergá-lo bem.
—
Olá, Knocker — gritou.
Knocker
voltou-se.
Na
escuridão, entreviu uma vaga figura, sem outro traço notável que não uma imensa
barba branca.
—
Olá — respondeu Knocker, com desconfiança. A sua memória assegurava que aquela
barba era desconhecida.
—
Está fazendo frio — disse o velho.
—
O que quer comigo? — disse Thompson, secamente. — Quem é você?
—
Sou apenas um velho, Knocker.
—
Se isto é tudo o que você tem a me dizer...
—
É quase tudo. Você quer comprar-me um jornal? Eu garanto que este é diferente.
—
Não estou entendendo, amigo. Diferente como?
—
É o Eco de amanhã à noite — disse, tranquilamente, o ancião.
—
Você deve estar variando, amigo. Isto mesmo. Veja, os tempos são difíceis, mas
você tem aqui uma moeda. Que lhe traga sorte!
Descarado
ou não, tinha Thompson a natural generosidade dos que vivem em condições
precárias.
—
Sorte! — O velho sorriu com uma doçura que agastou os nervos de Knocker.
—
Veja — disse novamente, consciente de que havia algo de inverossímil e estranho
na vaga figura do portão. — Que jogo é
este?
—
É o jogo mais antigo do mundo, Knocker.
—
Por favor, dê um descanso ao meu nome.
—
Você se envergonha de seu nome?
—
Não — disse Knocker, com firmeza. — Diga-me de uma vez por todas o que quer de
mim. Cansei de perder tempo.
—
Então, siga o seu caminho, Knocker.
—
Mas... o que você quer? — insistiu Knocker, estranhamente inquieto.
—
Nada. Não quer levar este jornal? Não há no mundo outro igual a ele. E nem
haverá por vinte e quatro horas.
—
Claro, já que ele só vai circular amanhã... — disse Knocker, sarcasticamente.
—
O diário tem os ganhadores de amanhã — disse o outro, calmamente.
—
Você está mentindo.
—
Então, olhe por si mesmo. Pegue o jornal.
Um
exemplar saiu da escuridão e os dedos de Knocker o aceitaram, quase com medo.
Uma gargalhada retumbou no portão e Knocker ficou só.
Sentiu,
incomodado, que o coração forte, mas caminhou até uma vidraça iluminada que lhe
permitiria uma leitura.
“Quinta-feira,
29 de julho de 1926”, leu.
Refletiu
por um instante. Hoje era quarta-feira. Disto, tinha certeza. Tirou do bolso
uma agenda e a consultou. Era quarta-feira, 28 de julho, o último dia das
corridas da semana em Kempton. Não tinha dúvidas.
Olhou
a data outra vez: 29 de julho de 1926. Procurou, institivamente, a última
página do jornal, em que se publicavam os resultados das corridas de cavalos.
Lá
estavam os cincos ganhadores no hipódromo de Gatwick. Knocker passou a mão na
testa: estava molhada de suor.
—
Tem embuste nisto — disse em voz alta e voltou a examinar a data do jornal. Ela
estava, claramente, estampada em cada página do diário. Examinou o ano: 1926. O
jornal parecia autêntico.
Esmiuçou
a primeira página: oito colunas abaixo do título. Tudo normal. E não era o
jornal do ano passado.
Voltou
à página de turfe. O ganhador do primeiro páreo era Inkerman, mas Knocker
pretendia apostar em Clip. Notou que os transeuntes olhavam para ele com
curiosidade. Enfiou o diário no bolso e seguiu. Jamais precisara tanto de um
gole. Entrou num bar próximo à estação, que felizmente estava vazio. Depois de esvaziar
um copo, tirou o jornal do bolso. Sim, Inkerman havia ganhado a primeira
corrida e pagara, conforme calculava Knocker, seis por um. Salmon ganhara a
segunda, mas Knocker sabia que ganharia. Missing Bullet — quem diria! —,
vencera a terceira, a clássica partida. E com grande vantagem. Knocker umedeceu
os lábios ressequidos. Não havia mistificação alguma naquilo tudo. Sabia
perfeitamente quais seriam os cavalos que correriam em Gatwick e lá estavam os
vencedores.
Agora
era tarde. O melhor seria ir amanhã a Gatwick e, lá mesmo, apostar.
Tomou
outro copo... e outro. Gradualmente, na cordial atmosfera do bar, a sua
inquietação cessou. Agora, aquele assunto parecia um entre muitos. A sua mente,
transtornada pelo álcool, regressou a um filme do qual gostara muito. Nele,
havia um bruxo hindu, com uma barba branca — uma imensa barba branca — idêntica
à do velho. O bruxo havia feito tanta coisa incrível... na tela. Knocker estava
certo de que não se tratava de uma mistificação. O velho não lhe pedira
dinheiro, nem sequer recebera a moeda que lhe oferecera.
Knocker
pediu outra dose de uísque e chamou o barman.
—
Tem algum palpite para amanhã? — perguntou o barman, que o conhecia de
vista e de fama.
Knocker
hesitou.
—
Sim — disse depois. — Salmon vence o terceiro páreo.
Knocker
cambaleava um pouco quando saiu. O médico proibira-lhe a ingestão álcool, mas,
numa noite como aquela...
No
dia seguinte, tomou o tem para Gatwick. Aquele hipódromo sempre lhe dera sorte,
mas hoje não se tratava de sorte. Fez as primeiras apostas com certa moderação,
mas a vitória de Inkerman o convenceu. O cavalo e a bolada! Já não havia
dúvidas. Salmon, o favorito, ganhou a segunda disputa.
Quase
ninguém apostou em Missing Bullet na corrida principal. O cavalo não estava em
forma e não havia por que arriscar nele. Knocker repartiu as apostas. Vinte
aqui, vinte acolá. Dez minutos antes da corrida, mandou um telegrama a um
escritório de West End. Estava disposto a ganhar uma fortuna. E ganhou. Para
Knocker, aquela corrida não teve emoção. Ele já sabia o resultado. Os seus
bolsos estavam repletos de dinheiro e isto não era nada, comparado ao que ia
arrecadar em West End. Pediu uma garrafa de champanhe e bebeu à saúde do velho
de barbas brancas. Por meia hora, esperou o trem.
O
trem estava cheio de punguistas, aos quais igualmente pouco importava o páreo
final. Os dias de sorte sempre punham Knocker a sorrir, mas neste dia ele
estava sério e calado. Não podia desligar-se da figura do velho do portão. Não
tanto por seu aspecto e pela barba imensa, mas pela gargalhada final.
O
jornal ainda estava em seu bolso. Num impulso, tirou-o de lá. Outras notícias,
que não sobre o turfe, não interessavam a ele. Folheou as páginas. Era um
jornal como outro qualquer. Resolveu compra outro na estação, para ver se o
velho falara a verdade.
De
repente, o seu olhar se deteve. Uma notícia chamou a sua atenção: “Morte no trem”.
O coração de Knocker galopava. Mas ele prosseguiu a leitura. “O conhecido
empresário de esportes, o Sr. Martin Thompson, faleceu esta tarde no trem, ao
retornar do hipódromo de Gatwick”.
Não
leu mais nada. O jornal caiu de suas mãos.
—
Olhem para Knocker! — gritou alguém. — Parece que está passando mal!
Knocker
respirava pesadamente, com dificuldade.
—
Parem... Parem o trem! — balbuciou, procurando o alarme.
—
Calma, amigo — disse um dos passageiros, segurando-lhe o braço. Não precisa...
Knocker
deixou-se cair no assento, com a cabeça inclinada sobre o peito.
Meteram-lhe
uísque entre os lábios, mas era inútil.
—
Está morto! — disse a espantada voz do homem que o segurava.
Ninguém
notou o jornal no chão. A algazarra o empurrara para debaixo do acento e não é
possível dizer onde foi parar. Talvez os guardas da estação o tenham varrido.
Talvez.
Ninguém
sabe.
Versão livre em
português de Paulo Soriano.
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