NUNCA TENTE ISTO - Conto de Terror - Paulo Soriano
Paulo
Soriano
A
sucessão de imagens que o jovem milionário tinha à sua frente estava longe de
ser agradável. Em verdade, era estarrecedora. Mesmo assim — ou por isso mesmo
—, o camarada podre de rico a manteve na tela do computador.
Era
um filme de curta duração, campeão de visitas no YouTube. Nele se via um homem
de meia-idade caminhando orgulhosamente para os portões emoldurados de um hotel
de luxo, após descer da limusine cor de chumbo, cercado por meia dúzia de
lacaios truculentos.
O
último movimento que o homem arrogante fez foi um enfadado aceno de mão para o
porteiro, que lhe devolveu um sorriso hipócrita. Então, subitamente, um tênue
filete de fumaça esbranquiçada elevou-se do terno de cinco mil dólares que o
homem trajava. O porteiro congelou o sorriso na face e pareceu deveras
assustado quando constatou que o homem simplesmente evaporava. Quando os
seguranças correram ao encontro do camarada petulante, e estenderam as mãos
para ampará-lo, cingiram apenas a névoa alva que lhe escapava dos dedos em
volutas fumarentas. Um deles olhava, perplexo, para o paletó de linho branco
que acabara de arrebatar. O restante do terno caiu à calçada de mármore
italiano como se houvesse deslizado de um varal. A gravata verde-musgo, tocada
por uma brisa áspera, semelhava uma enguia enrodilhada, de cabeça erguida, a
evolar fumaça pela boca.
Era
o sexto rival que o jovem Di Stephano “deletava” a partir de seu computador.
Quando, há seis meses, o sujeito esquisito, precocemente careca e de óculos de
aro de tartaruga, lhe apresentou o revolucionário Dellvil, não sabia se ria
dele ou mandava executá-lo ali mesmo.
— Pelo menos experimente — dissera-lhe o
sujeito esquisito, na ocasião. —É algo realmente revolucionário.
— O processador de palavras dos deuses de Mr.
King? — interveio Di Stephano, com ironia.
— Não — respondeu seriamente o sujeito. —O
“deletador” de imagens do Diabo. Dellvil.
Quince
Di Stephano experimentou e gostou. Bastava fazer o programa rolar, inserir a
foto digitalizada da vítima e apertar a tecla “DEL”. Então, o desafeto
simplesmente evaporava. Como mágica. Uma mágica de cento e cinquenta milhões de
dólares, que lhe renderia um bilhão ou mais, assim que a concorrência fosse
sistematicamente eliminada, em momentos e circunstâncias adequadas.
—
Tecnologia informática a serviço do vodu! — o sujeito esquisito insistiu. — No
código fonte, criptografadas, existem fórmulas de magia milenar. Magia mais
negra que a mais negra das negras noites. Experimente! Não custa nada tentar...
Era
verdade. Um a um, os seus inimigos foram evaporando. Di Stephano estava cada
dia mais poderoso, mais rico, mais feliz. E nem tinha ainda trinta anos...
Há
dois dias, Quince Di Stephano ordenara que fotografassem o sujeito esquisito,
que criara e lhe vendera o programa. Ele bem poderia estar fazendo jogo duplo.
Certamente, passara o mesmo programa — o maravilhoso e perigoso Dellvil — a
outros chefões que podiam pagar por ele.
O
jovem milionário fez o programa rolar. Depois, abriu o arquivo de imagens do
disco rígido, selecionando a foto do sujeito esquisito, craque em Informática e
Magia Negra. Clicou nela e a enviou para o programa. Em poucos segundos, lá
estava a foto do cara. Depois, seria apenas apertar “DEL” e... —
pronto! — o camarada iria evaporar como éter, no mesmo ritmo em que a
foto se apagava, gradualmente, na tela do computador.
Di
Stephano hesitou por um instante. E se...
Clicou
no “DEL”, resoluto.
Na
tela do computador, a imagem do cara esquisito experimentou um
esmaecimento.
Estava
funcionando.
Mas
o sorriso de satisfação, que brincava na face do criminoso milionário, se
converteu num esgar. De súbito, a foto do sujeito esquisito alternou para a
imagem do próprio Di Stephano. Ele ainda teve tempo de conduzir os dedos para
as teclas “CONTROL”, “ALT” e “DEL”. Mas antes que as pontas de seus dedos
pressionassem o teclado, Di Stephano viu, com horror, que suas mãos se
dissolviam em pleno ar; convertiam-se numa tênue fumaça branca, que ascendia em
espiral e semiocultava o monitor. Lá, num vermelho pulsante, se lia — hábil e
ironicamente programada — uma frase de tardia e traiçoeira advertência:
“NUNCA
TENTE ISTO!”
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