O FANTASMA DE BODRY - Narrativa Clássica Fúnebre - Collin de Plancy
O
FANTASMA DE BODRY
Collin
de Plancy
(1794
– 1881)
O
Sr. Bodry, filho de um rico comerciante de Lião, foi enviado, aos 22 anos de
idade, a Paris, munido de cartas de recomendação de seus pais a seu
correspondente, que não o conheciam pessoalmente.
Abastecido
de uma soma grande o suficiente para viver folgadamente em Paris por algum
tempo, associou-se, para acompanhá-lo na jornada, a um amigo sumamente
divertido.
Mas,
ao chegar, uma febre violenta atacou Bodry. Seu amigo, que permaneceu junto a
ele o dia todo, não queria deixá-lo, e se negava a tanto, apesar dos veementes
pedidos de que partisse, já que ele somente empreendera aquela viagem para
comprazer o amigo, e não conhecia ninguém em Paris.
Bodry,
então, suplicou ao amigo que se apresentasse na casa do correspondente de sua
família sob o seu nome e lhe entregasse as cartas de recomendação, ao argumento
de que ele poderia, mais tarde, quando melhor, esclarecer aquela situação.
O
jovem anuiu a esta tão singular proposta e, fazendo-se passar por Bodry,
dirigiu-se à casa do correspondente, a quem apresentou as cartas trazidas de
Lião. Representou muito bem o seu papel e foi bem recebido.
No
entanto, ao retornar à pousada, encontrou Bodry em muito mal estado de saúde e, apesar de todos os cuidados que devotou ao amigo, teve a infelicidade de
perdê-lo naquela mesma noite.
Embora
soubesse que não lhe era possível sonegar a notícia da morte do amigo ao
correspondente, perguntava-se como confessar o engodo que perpetrara em tão
triste circunstância. Não vislumbrando um meio de justificar-se daquela burla,
concluiu que, em dizendo a verdade, estaria exposto às mais injuriosas
suspeitas, sem ter senão a boa-fé para debalde eludi-las. Apesar de tudo, não
podia deixar de cumprir os últimos deveres para com o seu amigo e era
impossível deixar de convidar o correspondente a esta lúgubre cerimônia.
Estas
diversas reflexões, mescladas à dor que sentia, arrastaram-no a uma grande
dúvida. Mas uma ideia original veio, de repente, a elidir as suas incertezas.
Pálido, desfigurado pela fadiga, abatido pela tristeza, apresentou-se às dez
horas da noite na casa do correspondente, o qual, admirado daquela visita a uma
hora tão inesperada, e, bem assim, pela mudança em sua fisionomia, perguntou-lhe
pelo motivo de sua visita e se havia acontecido algum infortúnio.
—
Ai de mim! Cavalheiro, ocorreu-me o maior de todos os infortúnios! Morri nesta
manhã e venho convidá-lo a assistir ao meu funeral, que será amanhã.
Aproveitando-se
do estupor que acometeu todos os presentes, fugiu sem que ninguém fizesse um só
movimento para o deter.
Acreditando
que o jovem enlouquecera, o correspondente se encarregou de ir, no dia seguinte,
com o seu filho, para lhe dar os socorros que o seu estado estivesse a exigir.
Chegados
à pousada, deparam-se, estarrecidos, com os preparativos funerários. Perguntam
por Bodry e lhes respondem que morrera no dia anterior e que estavam prontos
para enterrá-lo.
Ao
ouvirem, aterrorizados, aquela resposta, não duvidaram da morte do rapaz, já
que a alma do defunto se lhes havia aparecido, e voltaram para comunicar os
seus temores a toda família, à qual jamais se pôde fazer crer o contrário.
Versão em
português: Paulo Soriano.
Fonte: Collin de
Plancy, Dictionnaire Infernal.
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