A LENDA DO CASAL EXECUTADO - Conto Clássico de Horror - Francisco de Paula Mellado

 



A LENDA DO CASAL EXECUTADO

(Lenda Galega)

Francisco de Paula Mellado

(1818 - 1876)

Tradução de Paulo Soriano

 

Pernoitamos em Cedeira e foi lá que nos contaram a seguinte lenda.

Nos séculos turbulentos da Idade Média, uma jovem e honrada camponesa chamada Múnia, casada com um homem a quem amava muito, deu à luz a uma criança morta, circunstância pela qual foi escolhida para ser a ama de leite de um menino que nascera dois dias antes. O recém-nascido era filho de dona Aldonça, esposa do senhor feudal daquele território.

Alvar, o marido de Múnia, estava ausente, porque seguia o estandarte de seu senhor na guerra. A aldeã, como era natural, fizera-se triste e meditabunda, sempre a pensar no retorno do marido.

Num dia em que a senhora se ausentara, temporariamente, do castelo, em romaria a uma ermida vizinha, estava Múnia com o terno infante em seus braços, sentada à margem de um rio, quando, de súbito, desabou uma furiosa tempestade e um raio caiu não muito longe dali. Trêmula e assustada com o terrível estampido do trovão, deixou cair a criancinha, que rolou para o rio e desapareceu em suas águas para sempre.

Múnia, quase enlouquecida pelo nefasto acontecimento, correu desesperada pelos campos e pelos morros, e sua estrela a conduziu justamente ao caminho pelo qual seguia Alvar, que retornava, alegre, ao castelo, anunciando o vitorioso regresso de seu senhor na peleja contra os mouros.  

Sem poder articular palavra, Múnia caiu, desfalecida, nos braços de seu marido. Quando, depois de um longo tempo, Alvar conseguiu despertá-la, pediu à mulher que lhe contasse o terrível acontecimento que causara aquele desmaio.

Alvar conduziu a esposa à choça de um pastor, que havia nas proximidades, e a fez deitar-se, para que repousasse, enquanto ele velava por sua segurança à porta da cabana.

O amanhecer já sucedia a uma noite longa e tempestuosa, quando o verdugo do castelo, seguido por alguns homens de armas, aproximou-se da choça que albergava o casal.  Haviam sido enviados por dona Aldonça, que, ao voltar ao castelo, soubera da morte de seu terno filho e da fuga da ama de leite. Aquela mãe desolada, armada do onímodo poder do feudalismo, havia ordenado que lhe trouxessem a cabeça de sua vassala, eis que esta deixara perecer o filho que confiara aos seus cuidados.

O carrasco pugnava por entrar na cabana para apoderar-se de sua vítima, mas Alvar, atirado a seus pés, enlaçava-o pelos joelhos, pedindo-lhe que não o privasse de sua esposa, a quem, sendo tudo para ele, amava mais que a própria vida.

Mas nada podia abalar o servo encarregado daquela sangrenta execução, pois já ia, com o auxílio dos homens de armas, penetrar no asilo de Múnia, quando Alvar, de repente, teve uma terrível ideia, inspirada pelo ardente amor que dedicava à jovem companheira.

— Leve a minha cabeça à senhora, no lugar da de Múnia, e não perturbes o sono dela — disse Alvar ao verdugo.

— Estás louco? — respondeu aquele.

— Sim, pelos céus, acede às minhas súplicas! Pega este saco de moedas, que tomei de um castelo mouro; e, em troca, leva a minha cabeça à tua senhora, deixando livre a minha esposa.

Consentiu, finalmente, o verdugo senhorial com a troca proposta, e o generoso Alvar já inclinava docilmente o pescoço sob o machado, quando a jovem esposa, escutando-lhe as derradeiras palavras, abraçou-se de inopino ao marido.

Mas, naquele momento, o machado, erguido, já caía, e feria mortalmente ambos os esposos.

Dois robustos e elevadíssimos pinheiros, cujos ramos se confundem, e cujos troncos estão quase juntos, assinalam o lugar da tumba do casal.


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