A LENDA DO MOSTEIRO DE ENGULPHED - Conto Clássico Fantástico - Washington Irving
A LENDA DO MOSTEIRO
DE ENGULPHED
Washington Irving
(1783 – 1859)
Tradução de Paulo Soriano
No
sombrio e melancólico evento em que Dom Rodrigo, o Godo, e seus cavaleiros
foram vencidos às margens do Guadalete, e toda a Espanha invadida pelos mouros,
grande foi a devastação de igrejas e conventos em todo aquele piedoso reino. O
destino milagroso de uma desses edifícios sagrados é, portanto, registrado em
uma das lendas autênticas daqueles dias.
No
cume de uma colina, não muito distante da capital, Toledo, erguia-se um antigo mosteiro
dedicado à devoção de São Bento, habitado por uma irmandade de monjas
beneditinas. Nesse refúgio sagrado confinavam-se mulheres de linhagem nobre. As
irmãs mais novas das famílias de mais elevada estirpe eram, aqui, dadas
em religioso casamento a seu
Salvador, a fim de ampliar o dote de suas irmãs mais velhas, permitindo, assim,
que estas fizessem convenientes alianças conjugais na terra, ou que a riqueza
da família fosse dividida entre os irmãos mais velhos, com o que a
dignidade de suas antigas casas estaria preservada da decadência. O mosteiro
era conhecido, portanto, por consagrar, dentro de suas paredes, uma irmandade
do mais puro sangue, da mais imaculada virtude e da mais resplandecente beleza
de toda a Espanha gótica.
Quando
os mouros invadiram o reino, não havia nada que excitasse mais a hostilidade de
suas hordas do que aqueles redutos de mulheres virgens. A mera visão de uma
torre de convento era suficiente para abrasar o seu sangue muçulmano e, como se
o saque de um convento fosse o passaporte seguro para os campos Elísios, eles o
pilhavam com ferocíssimo zelo.
Notícias
de tais ultrajes, cometidos em várias partes do reino, chegaram àquele nobre
santuário e o encheram de consternação. O perigo se aproximava cada vez mais. Os
invasores infiéis espalhavam-se por todo o país. A própria Toledo foi capturada.
Mas não havia fugas no mosteiro e nenhuma segurança dentro de suas muralhas.
Em
meio a essa agitação, chegou a alarmante notícia de que um numeroso bando de
sarracenos se espalhava pela planície. Num instante, todo o convento foi cenário
de confusão. Algumas freiras torciam as belas mãos nas janelas; outras agitavam
seus véus e gritavam do alto das torres, na vã esperança de obter a ajuda de um
país subjugado pelo inimigo. A visão dessas pombas inocentes, assim, esvoaçando
em torno de seu pombal, aumentou a fúria fanática dos mouros bigodudos. Eles
trovejavam nos portais, e a cada golpe os pesados portões tremiam em suas
dobradiças.
As freiras agora se aglomeravam em torno da abadessa. Estavam acostumadas a considerá-la todo-poderosa e, naquele instante,
imploravam por sua proteção. A abadessa viu, com pesar, que os tesouros da
beleza e das virtudes vestais estavam expostos a um iminente perigo. Ai de mim!
Como a madre protegeria as virgens dos saqueadores? O sinal da Providência, é
bem verdade, intercedera, muitas vezes, em seu pessoal favor. Passara os seus
primeiros dias em meio às tormentas de um tribunal, onde a sua virtude havia
sido purificada por repetidos julgamentos, dos quais escapara apenas por milagre.
Mas será que os milagres jamais cessariam? Teria ela esperança de que a
proteção maravilhosa, que a acobertava, se estendesse a toda uma irmandade? Não
havia outro recurso. Os mouros estavam no limiar; mais alguns instantes e o
convento estaria à sua mercê. Conclamando as suas monjas a segui-la, a abadessa
correu para a capela; e, jogando-se de joelhos diante da imagem da bendita
Maria, exclamou:
—
Oh, santa Senhora! Oh, mais pura e imaculada das virgens! Tu vês o quão é extrema
é a nossa situação. A horda devastadora está nos portões e não há ninguém no
mundo que possa nos valer! Desce, piedosamente, os teus olhos e faz com que a
terra abra as suas goelas e nos engula, em vez de serem violados os nossos votos
de castidade!
Os
mouros redobraram o ataque aos portões, que cederam com um tremendo estrondo.
Elevou-se um grito de selvagem exultação. Mas, de repente, a terra abriu as
suas fauces, afundando o convento em seu ventre, com seus claustros, seus
dormitórios e todas as suas monjas. A torre da capela foi a última a desmoronar,
com o sino a ressoar um toque de triunfo, que reverberava no imo dos infiéis.
*
Quarenta
anos se passaram desde o milagre. A subjugação da Espanha foi completa. Os
mouros dominavam as cidades e os campos. Os cristãos que permaneceram, e foram
autorizados a exercer sua religião, o fizeram em humilde resignação ao domínio
muçulmano.
Naquela
época, um cavaleiro cristão, de Córdoba, sabendo que um grupo de conterrâneos
patriotas havia erguido o estandarte da cruz nas montanhas das Astúrias,
resolveu unir-se a eles para romper o jugo da escravidão. Armando-se
secretamente e equipando o seu corcel, partiu de Córdoba e seguiu seu curso por
caminhos de mulas pouco concorridos e ao longo dos secos canais deixados pelas
torrentes de inverno. Seu espírito ardia de indignação sempre que, ao lançar o
olhar para uma extensa planície, vislumbrava uma mesquita assomando à distância
e os cavaleiros árabes correndo em disparada, como se fossem os legítimos
senhores daquele chão. E, ao passar pelas ruínas de igrejas e conventos devastados
pelos conquistadores, deixava o bom cavaleiro escapar dos lábios suspiros
profundos e intensos gemidos.
Foi
numa noite abafada de estio que esse cavaleiro errante, ao contornar uma colina
densamente coberta pela floresta, ouviu o frágil sonido de um sino, que parecia
vir do topo da colina, a entoar melodiosamente as vésperas. Ao ouvir aquele som
cristão, agora não habitual, o cavaleiro persignou-se, admirado. Supôs que
procedia de uma daquelas humildes capelas ou eremitérios cuja existência a indulgência
dos conquistadores muçulmanos permitira. Conduzindo seu corcel por um caminho
estreito na floresta, procurou o santuário, na esperança de encontrar um abrigo
hospitaleiro para a noite. À medida que avançava, as árvores lançavam uma
profunda escuridão ao seu redor e os morcegos voejavam sobre o caminho. O sino
parou de tocar e tudo ficou em silêncio.
Em
seguida, um coro de vozes femininas ecoou furtivamente pela floresta, entoando
o serviço noturno, com o solene acompanhamento de um órgão. O coração do bom
cavaleiro esvaneceu-se àquela sonoridade, pois a música o fazia lembrar-se dos
dias mais felizes de seu país. Apressando seu corcel cansado, ele finalmente
chegou a uma ampla área gramada, no topo da colina, cercada pela floresta.
Aqui, as vozes melodiosas elevaram-se em coro completo, como o sopro de uma
brisa. De onde vinham aquelas vozes, todavia, ele não sabia dizer. Às vezes, as
vozes estavam à sua frente; outas, às suas costas; às vezes pairavam no ar;
outras, chegava-lhe como se brotassem do seio da terra. Por fim, as vozes morreram
e uma sacra quietude se instalou no lugar.
Perplexo,
o cavaleiro olhou em volta. Não havia capela, nem convento, nem humilde
eremitério à vista; nada além de um pináculo de pedra coberto de musgo,
erguendo-se do centro da área e encimado por uma cruz. O gramado ao redor
parecia santificado pelos passos de homem ou animal, e as árvores ao redor
inclinavam-se em direção à cruz como se estivessem em adoração.
O
cavaleiro sentiu uma sensação de sacro temor. Desceu e amarrou seu corcel na
orla da floresta, onde a montaria poderia provar da erva tenra. Depois, aproximando-se
da cruz, ajoelhou-se e entornou as suas orações noturnas diante daquela
relíquia que remontava aos dias cristãos da Espanha. Concluídas as orações,
deitou-se ao pé do pináculo e, reclinando a cabeça numa de suas pedras, caiu em
sono profundo.
Por
volta da meia-noite, foi despertado pelo toque de um sino e se viu deitado
diante do portão de um antigo mosteiro. Um séquito de freiras passou por ele,
cada uma com uma vela na mão. O cavaleiro se levantou e as seguiu até a capela.
Havia, no centro da capela, um ataúde, em cujo interior jazia o cadáver de uma
freira idosa. O órgão executou um réquiem solene e as freiras uniram-se em coro.
Quando o funeral terminou, uma voz melodiosa cantou: “Requiescat in pace!”
— Descanse em paz! As luzes desapareceram imediatamente e tudo passou como um sonho.
Então, o cavaleiro encontrou-se ao pé da cruz e viu, sob os tênues raios da Lua
crescente, o seu corcel pastando, silenciosamente, nas proximidades.
Quando amanheceu, o cavaleiro desceu a colina e, seguindo o curso de um pequeno riacho, chegou a
uma caverna, em cuja entrada sentava-se um homem idoso, vestido com trajes de
eremita, com rosário e cruz, e uma barba que lhe descia até a cintura. Era ele
um daqueles anacoretas sagrados autorizados pelos mouros a viver, sem ser
incomodado, em covis e cavernas, e humildes eremitérios, e, até mesmo, a
praticar a liturgia de sua religião. O cavaleiro parou seu cavalo e,
desmontando, ajoelhou-se. Pediu a bênção do ancião, a quem relatou tudo o que
lhe ocorrera durante a noite, e implorou que lhe dilucidasse aquele mistério.
—
O que viste e ouviste, meu filho — respondeu o eremita —, foi apenas uma sombra
exemplar das desgraças da Espanha.
O
eremita, então, relatou a antiga história da libertação milagrosa do convento.
—
Quarenta anos — acrescentou o homem santo — se passaram desde o evento, mas os
sinos daquele edifício sagrado ainda são ouvidos, de vez em quando, emergindo das
entranhas da terra, junto com o tanger do órgão e o canto do coro. Os mouros
evitam aquele sítio, tomando-o por mal-assombrado, e todo o lugar, como podes
perceber, ficou tomado por uma densa e solitária floresta.
O
cavaleiro ouviu, maravilhado, a história do convento engolido pela terra, contada
pelo santo homem. Por três dias e três noites, fizeram eles vigílias ao lado da
cruz, mas não viram sinal do mosteiro ou das freiras. Supõe-se que, passados
quarenta anos, o ciclo natural de vida das freiras ter-se-ia extinguido, e que
o cavaleiro tivera a visão das exéquias da última monja da irmandade. É certo
que, desde aquela época, o sino, o órgão e o coral nunca mais foram ouvidos.
O
pináculo em decomposição, encimado pela cruz, ainda permanece um objeto de piedosa
peregrinação. Alguns dizem que, antigamente, erguia-se em frente ao mosteiro,
mas outros afirmam que era a torre do edifício sagrado, e que, quando o corpo
principal do edifício afundou, o pináculo permaneceu acima do solo, como o alto
mastro de alguns navios naufragados. Esses crentes piedosos afirmam que o mosteiro
se conserva milagrosa e inteiramente preservado no cerne da montanha, e que, se
escavações adequadas fossem feitas, o convento seria encontrado, com todos os
seus tesouros, monumentos, santuários, relíquias e túmulos de suas freiras
virgens.
Se
alguém duvidar da veracidade dessa maravilhosa intercessão da Virgem, destinada
a proteger a pureza vestal de suas devotas, que leia a excelente obra
intitulada España Triumphante, escrita por Frei Antonio de Sancta Maria,
frade da ordem dos Carmelitas Descalços, e não terá mais dúvida alguma.
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