O CADÁVER REDIVIVO DE MELROSE - Narrativa Clássica de Terror - William of Newburgh
O CADÁVER
REDIVIVO DE MELROSE
William of Newburgh
(1136 – 1198)
Não
seria fácil acreditar que os cadáveres têm a virtude (não sei por que meio) de sair de seus
sepulcros e vagar pelo mundo para o terror ou destruição dos vivos e, depois,
regressar ao túmulo, que espontaneamente se abre para novamente recebê-lo, não fossem
os exemplos frequentes, ocorridos em nossos dias, para estabelecer este fato,
de cuja verdade há abundantes testemunhos.
Seria
de se estranhar que tais prodígios tenham acontecido no passado, uma vez que
não podemos encontrar nenhuma evidência de semelhante fenômeno nos trabalhos de
autores antigos, em cuja vasta obra havia o compromisso de relatar toda ocorrência
digna de memória; pois, se eles nunca negligenciaram o mister de registrar até mesmo eventos de moderado
interesse, como poderiam ter omitido um
fato ao mesmo tempo tão surpreendente e hediondo, supondo que tivesse
acontecido em sua época?
Além
disso, se eu escrevesse todos os exemplos de fatos como este, acontecidos, como
verifiquei, em nossos tempos, a tarefa seria extremamente laboriosa e incômoda.
E então, de bom grado, acrescentarei mais dois casos (estes de recente ocorrência
recente) aos que já narrei[1], e
os inserirei em nossa história, já que me é oferecida a ocasião de registrá-los
como uma advertência à posteridade.
Há
alguns anos, o capelão de uma certa dama ilustre, rejeitando a mortalidade, foi
entregue à sepultura naquele nobre mosteiro chamado Melrose.
Este
homem, tendo pouco respeito pela ordem sagrada a que pertencia, era
excessivamente mundano em suas atividades e — o que enodoa a sua reputação como
ministro do Sagrado Sacramento — tão viciado na leviandade da caça a ponto de
ser designado por muitos pelo título infame de "Hundeprest", ou,
seja, o cão-padre. E esta atividade, durante sua vida, foi ridicularizada pelos
homens, ou considerada numa visão mundana. Mas, depois de sua morte — como o demonstrou
o sucedido — a culpa envolvida em sua conduta foi trazida à luz: saindo da
sepultura durante a noite, ele foi impedido, pela resistência meritória dos
religiosos internos, de ferir ou aterrorizar alguém dentro do próprio convento.
Então vagou além dos muros do monastério e, emitindo altos gemidos e murmúrios
horríveis, pairou ao redor do quarto de sua antiga amante.
Tornando-se
frequentes semelhantes acontecimentos, a mulher, extremamente apavorada, revelou
seus temores, além dos perigos por que passava, a um dos frades que a visitavam
para tratar dos negócios do convento. E suplicou, às lagrimas, em seu favor, por
orações mais fervorosas do que as que eram costumeiramente elevadas a Deus, como
as que são proferidas em benefício de um moribundo. Porque a senhora parecia merecedora dos seus
esforços, porquanto contribuía frequentemente com doações ao mosteiro, o
piedoso padre enterneceu-se de sua aflição, e lhe prometeu um rápido lenitivo
por meio da misericórdia da Divina Providência, que a todos socorre.
A
seguir, regressando ao mosteiro, fez-se acompanhar por outro frade, de espírito
igualmente determinado, e por dois outros jovens valentes, com os quais
pretendia, com vigilância constante, zelar pelo cemitério onde estava sepultado
aquele miserável sacerdote.
Assim,
munidos de armas e animados de coragem, os quatro passaram a noite naquele
local, fiados no apoio que cada um prestaria ao outro.
A
meia-noite já havia passado, mas entidade monstruosa alguma aparecera. Aconteceu,
então, que três dos vigilantes, deixando sozinho no cemitério aquele que os
havia procurado, partiram em direção à casa mais próxima, com o propósito, como
eles declararam, de se aquecerem, pois a noite estava fria.
Assim
que o homem foi deixado sozinho naquele ermo, o diabo, imaginando que havia
encontrado o momento certo para subjugar a sua coragem, despertou prontamente o
seu escolhido, que aparentava estar repousando por mais tempo do que era
habitual. Vendo aquilo de longe, o padre ficou rígido de terror, já que estava sozinho.
Todavia, recuperando prontamente a sua coragem, e vendo que não havia onde se
refugiar, valentemente resistiu ao ataque do demônio, que corria em sua direção,
fazendo um barulho terrível. Então o padre atingiu o monstro com o machado que
empunhava, penetrando-lhe profundamente a lâmina no corpo.
Ao
receber esta ferida, o monstro soltou um horrível gemido e, virando-se de
costas, fugiu com uma rapidez nada inferior àquela com que havia avançado,
enquanto o homem admirável o perseguia, e o compelia a procurar novamente a sua
tumba.
O
sepulcro abriu-se por conta própria e, recebendo o seu hóspede, livrando-o do
avanço de seu perseguidor, imediatamente fechou-se com a mesma facilidade.
Nesse
ínterim, aqueles que, impacientes com o frio da noite, haviam se retirado à
companhia da lareira, correram ao cemitério, embora tardiamente. E, ouvindo a
narrativa do que havia acontecido, prestaram a necessária ajuda para
desenterrar e retirar das entranhas do sepulcro, ao amanhecer, o cadáver
amaldiçoado.
Quando
eles despojaram o cadáver do barro que o cobria, encontraram a enorme ferida
que aquele corpo havia recebido, e viram uma grande quantidade de sangue
coagulado que escorrera da chaga para a sepultura.
E,
assim, conduzindo o cadáver para além das paredes do mosteiro, queimaram-no e espalharam
as cinzas ao vento.
Narrei
singelamente esta história como eu mesmo a ouvi, contada por religiosos.
Versão em português de
Paulo Soriano, a partir da tradução de Joseph Stevenson (1806 – 1895).
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