O TÚMULO DO DIABO - Conto Clássico de Terror - Anônimo do séc. XIX

 


O TÚMULO DO DIABO

Anônimo do séc. XIX

 

O seguinte fato é muito conhecido na Normandia.

Havia naquelas terras um antigo barão, que era o terror do povo. Homem perverso, capaz das maiores atrocidades, não hesitava diante de nenhum obstáculo para a satisfação dos seus nefandos desejos.

O seu castelo era considerado pelos camponeses como uma espécie de antecâmara do inferno. A donzela que lá entrasse, por vontade ou à força, não tornava a sair. Dizia-se que o barão, depois do cometer as maiores infâmias, mandava enterrar viva a infeliz que caíra sob as suas garras de tigre.

Os pobres camponeses benziam-se quando passavam pela frente do castelo e escondiam as suas mulheres e filhas, para que o diabo, como chamavam o feroz cavalheiro, as não visse.

Um dia, correu a notícia de que o barão estava agonizando.

Nesse dia, por coincidência, desabou sobre a terra uma fortíssima tempestade. O vento uivava lugubremente, e não faltou quem ligasse a esse fato o da agonia do barão.

Às 11 horas da noite desse mesmo dia, faleceu o fidalgo. Nesse instante, segundo contam os da Normandia, um furioso tufão arrancou arvores, telhados de casas, cercados, e atirou-os a grandes distancias.

— Foi o diabo que veio buscar o barão! — diziam os camponeses trêmulos, acocorados às respectivas lareiras.

Segundo o uso, o cadáver do barão foi enterrado na igreja. Era tão grande o terror que ele havia inspirado que, ainda depois de morto, ninguém ousava passar junto da sua sepultura e, muito menos, pôr-lhe o pé em cima.

Sobre aquela sepultura, em cumprimento à última disposição do cavalheiro, devia arder uma lâmpada noite e dia. E para isso tinha ele instituído uma renda pia mais que suficiente para o custeio da despesa.

Certa noite em que, por acaso, o pároco não dormiu, viu da janela de seu quarto, que ficava fronteira à da igreja, a luz da lâmpada ir-se enfraquecendo gradualmente, acabando por apagar-se. O padre atribuiu aquele acontecimento ao acaso, e não lhe prestou, naquela noite, maior atenção.

Porém, na noite seguinte, tendo acordado às 2 horas da madrugada, lembrou-se de ir examinar se a lâmpada ainda estava acesa. Levantou-se da cama, chegou à janela e viu que a igreja estava imersa na mais profunda escuridão.

Aquele fato, assim repetido, tornava-se um tanto sério.

Mal amanheceu, o padre mandou chamar o sacristão, e acusou-o de ter deitado o azeite na salada, ao jantar, em vez de derramá-lo na lâmpada da igreja.

O sacristão jurou, por tudo quanto havia de mais sagrado, que era infundada semelhante acusação; que havia quinze anos que tinha tido a honra de ser nomeado sacristão, e que todas as noites, desde que exercia aquele emprego, enchia conscienciosamente a lâmpada, e que, se ela se apagava, era necessariamente alguma peça que aquele maldito cavalheiro pregava, o qual, depois de haver atormentado os vivos enquanto existira, lembrava-se do tornar a atormentá-los depois de morto.

O padre declarou que acreditava na palavra do sacristão, mas que, apesar disto, desejava assistir, à noite, ao preparo da lâmpada. Obedecendo a esta resolução, o cura foi para a igreja logo que anoiteceu e, à sua vista, deitou-se o azeite no recipiente. Concluída a operação e acesa a lâmpada, o cura fechou com a sua própria mão a porta da igreja, meteu a chave na algibeira, e voltou para sua casa.

Assim que se preparou para dormir, tomou o breviário, sentou-se numa poltrona junto à janela, e ali ficou à espera, olhando alternadamente para o livro e para a igreja.

Pela meia noite, notou que a luz ia diminuindo, diminuindo, até que acabou por apagar-se.

Era evidente que havia ali alguma coisa estranha, misteriosa e inexplicável, para a qual não concorria certamente o pobre sacristão.

Lembrou-se o padre de que talvez fossem ladrões que se introduziam na igreja para furtar o azeite. Mas, admitindo que o delito era perpetrado por ladrões, forçoso seria convir que deviam ser necessariamente gente muito honrada, pois se limitavam a levar o azeite, quando tinham à sua disposição os vasos sagrados.

Não eram, portanto, ladrões. Havia alguma outra coisa diversa de todas as que se tinham imaginado, alguma coisa sobrenatural, talvez. O cura resolveu-se a averiguar a existência dessa coisa, fosse ela qual fosse.

Na noite do dia imediato, ele mesmo entornou o azeite na lâmpada, para se convencer de que não era, de alguma forma, enganado pelo sacristão. E, depois, em vez de sair como tinha feito na véspera, escondeu-se num confessionário.

Foram passando as horas. A lâmpada dava uma luz serena e igual. Soavam finalmente as badaladas da meia-noite.

O pároco ouviu um ligeiro rumor, semelhante ao de uma laje que se levanta. Daí a pouco ele viu, horrorizado, um animal com pernas gigantescas, que foi saindo por um pilar. O monstruoso animal correu por uma cornija e apareceu um instante na abóbada, desceu pela corda, e parou sobre lâmpada, cuja luz começou logo a enfraquecer, até apagar-se totalmente.

O padre ficou em completa escuridão, e imediatamente resolveu-se a observar de novo, aproximando-se mais do lugar em que se dava a misteriosa cena. Não havia nada mais fácil. Em vez de meter-se no confessionário, que ficava do lado da igreja oposto à lâmpada, bastava esconder-se no outro, situado a apenas a alguns passos dela.

Fez-se no dia seguinte o mesmo que se tinha praticado na véspera. O cura, porém, mudou de confessionário, e levou consigo uma lanterna de furta-fogo.

Até a meia-noite, houve o mesmo sossego, o mesmo silêncio. Mas, ao vibrar da última badalada da meia-noite, ouviu-se o mesmo rumor da véspera. Contudo, como o rumor era a quatro passos de distância do confessionário, os olhos do cura puderam fitar-se imediatamente no ponto de onde ele provinha.

Era o túmulo do cavalheiro que estalava.

A laje que cobria o sepulcro ergueu-se vagarosamente, e da tampa entreaberta o padre viu sair uma aranha, do tamanho dum cão d'água, com um pelo que devia ter seis polegadas de comprimento e pernas que poderiam ter dois metros cada uma. O monstruoso animal não hesitou em procurar o caminho, com o qual bem se via que estava familiarizado: dirigiu-se para o pilar, trepou por ele, correu pela cornija adiante, desceu pela corda e começou a beber o azeite da lâmpada, que se apagou.




O cura, então, recorreu à sua lanterna de furta-fogo e dirigiu os raios da luz para a sepultura do cavalheiro.

Com grande espanto e terror, viu que o objeto, que conservava a laje do túmulo muito levantada, era um sapo do tamanho de uma tartaruga. O sapo, inchando, erguia a pedra e abria caminho à aranha, que ia sem demora beber o azeite.

No dia seguinte, o cura mandou levantar a pedra do túmulo.

O cadáver do barão tinha desaparecido. Em seu lugar, encontraram a monstruosa aranha e o horrendo e gigantesco sapo, que foram imediatamente mortos. Depois, foram pendurados à abóbada da igreja, como para testificarem tão singular acontecimento.

Desde então, a sepultura do cavalheiro ficou conhecida por túmulo do diabo.

 

Fonte: Gazeta de Notícias (RJ), edição de 12 de junho de 1889.


Comentários

  1. um ótimo conto, meus parabéns. moro de frente para um cemitério, consigo ver túmulos e tal. este conto me deixou assustada, e fico um pouco cismada quando olho para o cemitério de novo kskkksks

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