O RECOLHEDOR DE ANDROIDES - Conto de Ficção Científica - Paulo Soriano
O RECOLHEDOR DE
ANDROIDES
Paulo Soriano
Sempre
odiei os androides. Embora não tenha sido o único, este foi o principal motivo
pelo qual liderei, por vinte anos, o grupo de captura e recolhimento de robôs
da Biogenez, a mais antiga e prestigiada empresa de fabricação de androides
biológicos do mundo. Os seus produtos se confundem com a espécie humana a ponto
de ser impossível identificá-los, se este for o desígnio de quem os fabricou ou
os adquiriu.
Todos
sabem que os bioandroides imitam com perfeição o gênero humano. Raciocinam como
qualquer pessoa e partilham de toda a gama de emoções próprias às das pessoas
naturais, cujas funções orgânicas reproduzem cabalmente: até mesmo envelhecem.
Mas quase nunca adoecem e não podem reproduzir-se, entre si ou com seres humanos.
Limitação que, para mim, parece uma bênção. Por imitar o ente humano — este
feito à imagem e semelhança de Deus —, um bioandroide já é, por si mesmo, uma
aberração, um insulto à glória divina. Imagine você se esses robôs abjetos pudessem
crescer e multiplicar-se...
Como
líder da equipe de captura e recolhimento, eu exercia as minhas funções com
mãos de ferro. Era implacável e impiedoso.
A minha dedicação extrema àquela atividade, que era a minha razão de
viver, fez de mim um celibatário. Renunciei ao prazer de constituir uma
saudável família, de amar uma mulher carinhosa e com ela ter meia dúzia de
filhos e filhas, somente para me dedicar, de corpo e alma, ao recolhimento dos
robôs orgânicos que apresentavam defeito de fabricação ou cuja vida útil já
estivesse esgotada. Às vezes, era um trabalho arriscado, porque eles sempre
resistiam heroicamente à prisão. Mas eu sempre me saía bem. Quanto maior a
resistência, maior era o meu prazer em subjugar e pôr fora de circulação aquela
degeneração herética. O grupo de extermínio, o último elo daquela cadeia,
sempre me recebia com o caloroso sorriso nos lábios, mas o meu era ainda mais
sincero e exaltado.
Ontem,
porém, me aposentaram compulsoriamente. Se a minha vontade prevalecesse,
recolheria os malditos androides até que me sobreviesse a morte. Mas a
legislação aplicável à minha profissão é inflexível. Cumpridos os vinte anos, o
agente de recolhimento de androides é automaticamente posto na inatividade. Dizem
que é uma necessidade imperiosa renovar os quadros de captura. Apesar de
desolado, aceitei a nova condição. Como tenho uma saúde de ferro, imaginei que
poderia, agora, formar uma família: ainda era jovem o suficiente para ver a
minha prole crescer e tornar-se adulta.
Era
nisso que pensava quando Luchkov, sem prévio aviso, chegou à minha casa,
acompanhado por dois de nossos melhores agentes recolhedores.
Abri
um sorriso quando os vi. Trabalhei com Luchkov por quinze anos e ele sempre foi
o meu braço direito, o meu bom e fiel camarada. Agora era ele, por indicação
minha, o meu substituto, o implacável chefe dos recolhedores.
—
Uma festa surpresa, Luchkov? Veio
comemorar comigo e com os nossos amigos a minha aposentadoria? — disse-lhe.
—
Esta não é, infelizmente, Kolpakov, uma visita social — disse-me Luchkov,
secamente.
—
Não? Como assim?
—
Sua vida útil acabou, Kolpakov. Viemos recolhê-lo.
Sempre
tive uma saúde de ferro. Nunca adoeci. Eu deveria ter desconfiado...
Muito massa mano , não esperava esse final
ResponderExcluirMuito legal esse conto. Adorei.
ResponderExcluirUm conto de ficção lindo, escrita perfeita e o final foi incrível.
Aquele meme nunca foi tão real.
ResponderExcluir"Enfim...
A hipocrisia ¯\(◉‿◉)/¯"
Sinceramente, não entendi...
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