O ABADE E O DIABO - Conto Clássico Fantástico - Anônimo do séc. XIX
O ABADE E O
DIABO
(Lenda Galega)
Anônimo do séc. XIX
Tradução de Paulo Soriano
Era
uma vez um abade, um grande servo de Deus, cujas virtudes perturbavam muito o
Diabo (diz-se que foi tentado a enforcar-se quando morreu na fragrância da santidade),
servindo de exemplo a todos os que se aproximavam dele.
O
malévolo inimigo perseguia-o incessantemente, apresentando-lhe em sonhos o
quadro lisonjeiro dos prazeres mundanos, as delícias de uma vida dissoluta e as
alegrias que a satisfação dos vícios produz na alma.
O santo varão, por sua vez, com coragem cristã repelia todas aquelas tentações; mas, vendo
que o inimigo redobrava os seus esforços, considerou que conviria construir uma
igreja (por não haver nenhuma na aldeia,
esta era o domínio de Satanás), para que a terra — que, de pai a filhos, até
então havia sido um bairro não muito distante do inferno —ficasse doravante
santificada.
E
aqui começaram as dificuldades para o pobre abade.
Quem
deveria carregar a pedra? Quem deveria dirigir a obra? Como fundir os sinos? Os
jovens do lugar não estavam aptos para estas tarefas, porque eram todos manetas,
coxos ou corcundas.
O
abade pedia aos céus que o iluminassem em seu projeto, quando o Diabo apareceu
a ele para lhe fazer propostas.
—
Vês esta igreja? — disse-lhe o diabo, mostrando-lhe uma que havia desenhado com
sangue num pergaminho. — Pois bem, eu te
prometo levantá-la, toda em de pedra
lavrada, dentro de três dias e três noites,
se aceitares as minhas condições.
—
Quais são as condições? — disse, surpreso, o abade.
—
Não hás de fazer o sinal da cruz durante três dias e três noites. Caso te
benzas, abandonarei o trabalho.
—
Eu aceito — disse o abade, que queria ter a igreja a todo custo.
—
Outra coisa — acresceu o diabo. — Deves
ficar de joelhos durante três dias e três noites, rezando sem fechar os olhos;
se falhares nesta condição essencial, a tua alma me pertencerá.
—
Eu aceito — disse o abade, confiando na misericórdia de Deus para não cair no
sono.
O diabo desapareceu, regressando em breve com
um arquiteto de sua confiança, e começou a obra. O demo esperava que o cansaço
e o sono desgastassem a força do abade virtuoso, e sempre que assentava uma pedra no edifício em construção, olhava-o
às escondidas para ver se dormia; mas o servo zeloso de Deus se manteve firme
com a ajuda dos céus durante o período acordado. O diabo, obrigado a honrar o compromisso, cumpriu a sua palavra,
embora dando-se a mil demônios, e foi deste
modo que o abade o forçou a construir a igreja que queria, e a fugir desesperado
da comarca de Ferrol para sempre.
Esta é a origem tradicional do Templo de Nossa
Senhora do Coro.
Tradução de Paulo
Soriano.
Fonte: “Semanario
Pintoresco Español”, nº 43, edição de 26
de outubro de 1851.
Imagem: Salvator Rosa
(1615 – 1673).
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