A MÃO DA MÚMIA - Narrativa Clássica Sobrenatural - Anônimo do início do séc. XX




A MÃO DA MÚMIA

Anônimo do início do séc. XX

 

Os jornais ingleses trouxeram recentemente a estranha narração feita a diversos jornalistas britânicos pelo conde Louis Hamon[1], cavalheiro londrino e grande viajante.

O conde Hanion, durante uma de suas viagens pelo Egito, teve ocasião de curar um nativo da malária. Este nativo, que se dizia descendente de uma família de ilustres senhores do vale do Nilo, presenteou-o, em sinal de gratidão, com uma mão de múmia cortada junto ao pulso e que contava pelo menos três mil anos.

Era — afirmou o egípcio — seu maior tesouro, posto que essa mão pertencera a uma jovem princesa, que era a sétima filha do predecessor imediato do celebre Tutancâmon. Tendo, certo dia, se revoltado contra seu augusto pai, a pobre princesa fora condenada à morte; depois, apaziguada a cólera paterna, essa pena foi comutada, e ela teve apenas uma mão cortada. A autoridade paterna, pelo que se vê, não vacilava, nos tempos faraônicos. O corpo da princesa foi mais tarde enterrado no famoso vale dos Reis, enquanto sua mão, em sinal de punição suprema, deveria viajar pelo mundo através dos séculos.

Isto se passou há trinta e quatro séculos e, durante este tempo, a mão não causou o menor desgosto ou inquietação a seu proprietário. Repousava sem incidentes sobre uma almofada de veludo, debaixo de uma redoma de vidro. Era uma pequenina e fina mão, mas que, enrugada, dessecada há três mil anos, guardava seu segredo em uma rigidez de pedra.

Mas eis que um dia, em 1920, essa mão começou a dar sinais de extraordinária agitação. Primeiramente, mudou de lugar sobre a almofada. O conde examinou-a e verificou que seus dedos se dobravam com extraordinária facilidade, como se fossem os de uma mão viva.

Depois, a relíquia tornou-se mais clara. Certa manhã, manchas de sangue apareceram no lugar em que fora cortada. Sir Hamon, aterrorizado, mandou judiciosamente chamar seu tabelião e seu farmacêutico. O tabelião consignou todos estes fenômenos para legalizar o testemunho desse estranho caso; quanto ao farmacêutico, compôs imediatamente uma mistura de laca e de pez, na qual mergulhou a mão, para tentar restituir-lhe a rigidez que convém a uma mão de mil anos.

De fato, a mão pareceu acalmar-se. Nesta época, o conde Hamon habitava uma propriedade que possuía na Irlanda.

Sabe-se que este infeliz país foi teatro de sangrentas contendas. Em 1922, os tiros faziam-se ouvir repetidamente em torno da propriedade. A batalha fratricida era intensa. Sir Hamon pensou em voltar à Inglaterra e preparou sua fuga.

Na confusão da partida, das bagagens a preparar, a pequenina mão pareceu-lhe importuna e, certa noite, pensou em queimá-la.

Atirou-a à fogueira em que se consumiam os papeis inúteis.

Então... então produziu-se um fenômeno que encheu sir Hamon de pavor.

Mal a mão tocara a fogueira, a porta da sala voou em pedaços, sob um impulso misterioso, com um horrível ruído de vidro quebrado. Através da abertura, o parque mostrava-se banhado pelos raios da lua. E sir Hamon e sua esposa viram distintamente uma estranha aparição. Era uma princesa de lenda, vestida à moda dos faraós, com joias maravilhosas e estofos raros, que tomou forma gradualmente e entrou no quarto.

O conde, malgrado seu terror, teve tempo para notar que faltava uma das mãos a essa aparição insólita. Isso foi para ele, uma explicação:

— É a princesa — pensou ele — que vem buscar sua mão.

Foi justamente o que ela fez. Oh, muito simplesmente, abaixou-se com majestade e, com sua mão válida, tomou entre as chamas, a outra que se conservava maravilhosamente intacta! Elevou então suas duas mãos, enfim reunidas, em invocação, acima da cabeça. Depois, de modo inverso ao que aparecera, a visão se esvaiu, não sem ter lançado a sir Hamon um olhar profundo.

O conde e a condessa ficaram sós, consternados no meio dos pedaços da porta e entre o fogo extinto. E seu terror foi tanto que chegaram a passar dois anos em silencio. Depois, o mundo soube das buscas no vale dos Reis; os malefícios póstumos de Tutacâmon foram relatados. Se bem que a maioria recebesse essas notícias com sorrisos céticos na Inglaterra, elas são ouvidas com interesse que pode ser qualificado de "greatly exciting". Os espíritos mais crédulos tiveram suas dúvidas. Sir Hamon sentiu que chegara o momento de relatar sua aventura. Confiou-a a um ouvido, que, por acaso era o de um jornalista. Os jornalistas são indiscretos por profissão, e o universo inteiro conheceu, dentro em pouco, a história da pequenina princesa egípcia e de sua mão cortada.

Evidentemente, nas trevas em que se debate a humanidade, muitas coisas ainda continuam indecifráveis. Mas não desejamos duvidar, um só momento, da boa-fé de Sir Hamon.

 

Fonte: “Vida Policial”, 15 de maio de 1926.



[1] Astrólogo, esoterista e escritor irlandês (1866 - 1936).

 

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