TRAVESSURAS OU TRAVESSURAS - Conto de Terror - Maycon Guedes

 

TRAVESSURAS OU TRAVESSURAS

Maycon Guedes

  

É noite de Halloween no cemitério. Abóboras decoram os túmulos e velas roxas derretem nos jazigos. Os defuntos saem de suas sepulturas, e as fúnebres criancinhas, com suas sacolinhas, pedem doces de cova em cova: Gostosuras ou Travessuras? Toda noite de 31 de outubro, à meia-noite, após o coveiro Tavares deixar o cemitério para curtir o famoso “Baile Horripilante dos Idosos”, a festa nefasta se inicia entre os túmulos. A frase “Descanse em Paz”, perpetuada nas lápides, deveria ser substituída para “Descanse em Paz… até a noite de Halloween”, pois nesta data, os falecidos voltam à superfície para uma noite de curtição, dança com esqueletos, bebedeira, histórias assustadoras de como morreram e sinistras orgias. As criancinhas pútridas e inocentes usam máscaras durante essa noite, mesmo sabendo que seus próprios rostos já são assustadores - coitadinhas. Elas vagueiam pelo cemitério, pulando e cantando “Silver Shamrock”, parando em frente as covas e abrindo suas sacolinhas para que os defuntos depositem doces roubados da cantina do velório. De longe, o pai cadavérico de uma garotinha grita: “Filha! Não se esqueça de passar no boteco do Souzzz… quero dizer… na cova do Souza. Ele tem alguns doces para mim. Mas, não se esqueça que os doces do Coffin Souza são para os adultos!" O pai aguarda o retorno da filha que trará doces de licor, enquanto isso, ele flerta com uma aberração que se esconde atrás das árvores; linda… aos seus olhos. Uma discussão se inicia sobre qual filme eles iriam assistir; os defuntos sempre invadem o aposento do coveiro Tavares, que mora ali mesmo no cemitério e, além de roubarem suas bebidas, vasculham suas fitas VHS em busca de algo assustador para assistirem. Ninguém queria rever “O Monstro Legume do Espaço”, queriam algo inédito, e foi aí que um dos defuntos sugeriu um documentário. Todos torceram o nariz, afinal, quem iria querer ver um documentário na noite de Halloween? Mas foram convencidos de que o documentário “Poluição dos Mares e Oceanos” era capaz de produzir danos terríveis nas mentes dos falecidos. Tenham uma ótima sessão, cambada de presuntos!

 

   Agora, vamos falar do finado Paulo Blob. Em meio à festança, um dos defuntos perguntou onde estava o Paulo Blob. Todos olharam ao redor, procurando o sujeito, então, um cadáver brutamonte berrou: “O Paulo Blob eu deletei faz tempo! Ele não participará da nossa festa! Passei uma corrente em seu túmulo para que ele não pudesse sair. Aquele canalha, passa dos limites em todas as festas de Halloween; sempre troca os nomes e as fotos dos nossos túmulos; uma vez eu saí da minha cova com o nome Melissa cravado na minha lápide, e pior, ele colocou a foto da caduca no lugar da minha. Sempre que ele se junta ao Coffin Souza e fica “de fogo” de tanta cajibrina, surta pelo cemitério, inverte todas as cruzes e brinca com nossos caixões, deslizando o morro no fim do cemitério como se os nossos caixões fossem feitos para escorregar; aquele cadáver cachaceiro, profanador de sepulturas.” Todos concordaram que uma festa sem o Paulo Blob seria muito melhor.

 

   Enquanto isso, o velho Tavares, o coveiro esquisitão, bailava com algumas senhoras em uma festa não muito longe do cemitério. Todo ano ele recebia elogios pela sua fantasia, mas, o que ninguém sabia era que ele não usava fantasia. Tavares tinha o rosto cadavérico, falhas nos poucos fios de cabelo em sua cabeça e era todo travado ao se mover, lembrando uma múmia ambulante. O coitado já foi até confundido com um defunto, no dia em que ele “comeu água” como se não houvesse amanhã, caindo em um sono extremamente profundo, dormindo dentro de um caixão na salinha do velório. A nova funcionária que cuidava da limpeza entrou na salinha, averiguando se o local estava em ordem, pois ela sabia que naquele dia alguém seria velado ali dentro. Com seu olhar penoso, a mulher encara o coveiro Tavares por alguns segundos, examinando aquela aparência cadavérica dentro do caixão, acreditando que ele era mesmo um defunto e, vendo seu nariz escorrer, tirou um pedaço de algodão do seu bolso e enfiou dentro do nariz do pseudo cadáver, e então, subitamente, o velhote acorda de um pesadelo, levanta do caixão e grita - “Dá minha pacuera!” - expelindo o pedaço de algodão úmido no rosto da moça, fazendo com que a coitada, escandalosamente, fugisse para longe sem nunca mais voltar.

 

   Voltamos ao cemitério. As criancinhas se divertem muito enquanto seus pais assistem ao tal documentário macabro - “Psiu! Hey, garoto. Tira essa corrente daqui. O tio Blob ficou preso” - Mas, a diversão cinematográfica não duraria muito, pois o profano Paulo Blob se libertaria do fúnebre xilindró em busca de vingança. Ele estava livre, graças ao garotinho que soltou as correntes. Os olhos cozidos de Blob pareciam arder na escuridão, e ele só pensava em uma coisa, se vingar do Zé Berg por tê-lo excluído da festa de Halloween. Uma garotinha entrou no meio da sessão de “Poluição dos Mares e Oceanos” exibindo sua sacolinha com muitos doces, feliz da vida (ou da morte) pois nunca tinha pego tantos doces como naquela noite. Seu pai, o Zé Berg, sereno e feliz pela conquista da filha, indagou como ela conseguira tantos doces assim, e a defuntinha respondeu: “O Blobinho me ajudou, papai.” Naquele momento, Zé Berg entrou em desespero sabendo que o profanador de sepulturas havia escapado de seu túmulo. Paulo Blob dava início às suas travessuras!

 

   Pela janela do quarto do coveiro Tavares, lugar onde os defuntos assistiam ao documentário, eles olhavam para fora, observando Blob parado entre as lápides. O cemitério estava mais macabro do que nunca; todas as cruzes já estavam invertidas e ardendo em chamas; à esquerda, um amontoado de caixões formavam uma fogueira que começava a queimar; eram os caixões de todos os defuntos que estavam no quarto do coveiro. Blob cambaleava segurando uma das garrafas de Vodca que pertencia ao coveiro, pronunciando um mar de insultos contra todos os defuntos. Em menos de uma hora o sol iria nascer e os mortos precisavam voltar para as suas covas, pois o coveiro Tavares chegaria a qualquer momento, e a festa dos defuntos, que acontecia todo ano, acabaria de vez caso o coveiro descobrisse o segredinho dos pútridos festeiros. Todos correram direto para as covas, e nem se importaram com a bagunça que haviam deixado no cômodo do coveiro. Em meio à correria, Blob conseguiu impedir Zé Berg de sair do quarto.

 

   Tavares retornou para o cemitério, e não estava só, veio acompanhado de uma senhora que traçava suas pernas com as dele, bêbada que só, a parceira perfeita do coveiro. Zé Berg se escondeu assim que o coveiro entrou no quarto, e observou a senhora entrando no banheiro enquanto Tavares caía no chão bebaço. Ao sair do banheiro, a senhorinha ébria caminha até Zé Berg e o confunde com Tavares, afinal, ela estava bêbada e o ambiente era escuro, e claro, era impossível distinguir um defunto do coveiro Tavares, mesmo para alguém sóbrio. Ela alisa o peitoral do defunto sem notar que aquele pedaço de carne estava frio e úmido. “Meu coveiro gostosão. Por que está tão quieto?” - naquele momento, a senhora pegou na mão do defunto e o arrastou para fora do quarto, dando longos passos entre as lápides, perguntando se ele já fez coisas devassas naquele local; enérgica, ela jogou o coitado do Zé Berg em cima de um túmulo; enquanto isso, Blob ria sem parar escondido atrás de uma árvore. Deitado naquele cimentado enfeitado por coroa de flores e olhando para o céu, Zé Berg percebe que o sol já vinha vindo, e que o Paulo Blob havia sumido… e que a senhora havia dormido. Ele empurrou a amante do coveiro para o lado e correu direto para a sua cova, resmungando pelo caminho que aquela foi a pior noite de Halloween da sua vida, e que o Paulo Blob pagaria muito caro por aquilo. O sentimento de vingança tomou posse do corpo do defunto ao ver Blob entrando em seu túmulo, fugindo do sol que estava prestes a iluminar o cemitério. Antes de voltar para sua cova, Zé Berg foi até o túmulo de Blob e o prendeu mais uma vez, passando diversas correntes para que ele jamais saísse de lá. “Gostosuras ou Travessuras, otário!” - gritou Zé Berg, cuspindo na cova do Blob. Agora, ele precisava correr o mais rápido possível até sua cova, pois ele sabia das histórias de alguns defuntos que vagaram pelo cemitério até a luz do dia, e do fim terrível que tiveram ao se exporem ao Sol. A luz solar começou a iluminar o cemitério, e Zé Berg sentiu um grande alívio ao ver que sua cova estava bem próxima, mas, aquele alívio se transformou em desespero ao se aproximar de seu túmulo e descobrir que o maldito do Blob tinha construído uma parede de tijolos, sem deixar uma única brecha para que ele pudesse entrar. O cimento ainda não estava firme, mas era um obstáculo perfeito para atrasar Zé Berg por alguns minutos, deixando-o exposto ao sol que o detonaria enquanto ele quebrava os tijolos de sua cova. No cimento ainda fresco, uma mensagem de Blob riscada a dedo dizia: “Travessuras ou Travessuras?”

 

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