O MORTO E O PROFESSOR DE ANATOMIA - Narrativa Fúnebre - Joseph Taylor
Joseph Taylor
(Séc. XIX)
Tradução de Paulo
Soriano
Muitos dos que conheceram
pessoalmente o Sr. Junker[1]
viram-no relatar, com frequência, a história que se segue.
Professor de Anatomia, o Sr.
Junker, certa feita, obteve para dissecação os corpos de dois criminosos
condenados à forca. Não tendo à mão, quando da chegada dos cadáveres, a chave
da sala de dissecação, Junker mandou que os pusessem num armário, contíguo ao
seu apartamento.
A noite chegou. Junker, conforme
o seu costume, retomou as suas anotações, antes de se recolher. Beirava a
meia-noite, e toda a sua família dormia profundamente, quando o anatomista
ouviu um barulho estrondoso no armário. Pensando que, por algum engano, o
gato havia sido encerrado junto aos cadáveres, levantou-se. Tomando à mão a
vela, foi ver o que havia acontecido. Qual não foi, porém, o seu espanto
— ou melhor, seu pânico — quando percebeu que o invólucro, que continha os dois
corpos, estava rasgado ao meio. Aproximando-se,
o anatomista descobriu que um deles havia desaparecido.
As portas e janelas estavam
bem trancadas. Junker considerou que seria impossível, na ocasião, que os
corpos tivessem sido furtados. Trêmulo, olhou ao redor do armário e observou
que o homem morto jazia sentado num canto.
Por um momento, Junker
permaneceu imóvel. O morto parecia olhar para ele. O anatomista se moveu para a
direita e para a esquerda. O morto, todavia, continuava a cravar-lhe os olhos.
O professor, então, com a
vela na mão, retirou-se, passo a passo.
Manteve, no seu percurso, os olhos fixos no objeto de sua admiração, até
chegar à porta. O morto, instantaneamente, se levantou e o seguiu. Aquela
figura de aparência assaz hedionda — que, nua, imprimia ao corpo aquele
movimento —, o adiantado da hora, o profundo silêncio que reinava no ambiente, tudo
isto concorreu para mergulhá-lo no domínio da perplexidade. O anatomista
deixou cair a única vela que mantinha acesa. Tudo escureceu. Escapou para
o seu quarto e se jogou na cama. Porém, a perseguição continuou. Logo sentiu o
morto abraçando-lhe as pernas e emitindo altos soluços. Repetidos gritos de
"Deixe-me! Deixe-me!" libertou Junker das garras do
cadáver. O homem morto, então, exclamou:
— Ah, bom carrasco! Bom
carrasco! Tenha piedade de mim!
Prontamente, Junker percebeu
a causa de tudo aquilo e restabeleceu a coragem perdida. Disse àquele
ente sofredor, agora reanimado, quem realmente era. E, num gesto, procurou chamar
alguns membros da família.
— Ah, o senhor deseja, então,
me destruir! — exclamou o criminoso. — Se o senhor chamar quem quer que
seja, a minha agonia se tornará pública; eu serei levado ao cadafalso e
novamente executado! Por um ato de
humanidade, imploro-lhe, senhor, que salve a minha vida!
O médico acendeu uma luz, vestiu
em seu hóspede uma velha camisola e, tendo-lhe servido um licor, pediu-lhe que
lhe dissesse o que o levara à forca.
(— Teria sido
verdadeiramente singular — observou Junker, despois — ver-me, em plena
madrugada, envolvido num um tête-à-tête com um morto em
camisola.)
O infeliz informou a Junker
que se alistara como soldado. Não tendo, todavia, grande apego à profissão,
decidira desertar. Disse-lhe que, infelizmente, havia confiado o seu segredo a
uma espécie delator, um sujeito sem princípios. Este, de sua feita, o
recomendou a uma mulher, em cuja casa ele deveria permanecer escondido. A mulher,
contudo, revelou o seu esconderijo para os policiais...
Extremamente perplexo, Junker
ficou a meditar em como poderia salvar o pobre homem. Era-lhe impossível
conservá-lo em sua própria casa e manter o caso em segredo. De sua feita, expulsá-lo
de casa era expô-lo a uma provável perdição. Resolveu, pois, levá-lo para
fora da cidade, a fim de que o infeliz pudesse abrigar-se ao pálio de uma
jurisdição estrangeira. Todavia, era necessário atravessar os portões da
cidade, então rigorosamente vigiados. Para
lograr tal intento, vestiu o homem com algumas de suas roupas usadas, cobriu-o
com uma capa e, bem cedo, partiu para o campo, com seu protegido
escondido na carroça. Ao chegar aos portões da cidade, onde o médico era
muito conhecido, disse, como se impelido pela pressa, que fora chamado a acudir
a um enfermo moribundo, nas cercanias. Autorizaram, então, o médico a passar. Tendo
ambos chegado ao campo aberto, o desertor lançou-se aos pés de seu libertador,
a quem jurou eterna gratidão. Depois de receber alguma ajuda em dinheiro,
partiu, prometendo orações ao seu benfeitor.
Doze anos depois, Junker,
numa vigem a Amsterdã, foi abordado na Bolsa por um homem bem-vestido e de boa
aparência, que, segundo lhe haviam informado, era um dos mais respeitáveis
mercadores daquela cidade. O comerciante, educadamente, perguntou-lhe se
não era o professor Junker de Halle. Ao obter uma resposta afirmativa, o
estranho solicitou, veementemente, a sua companhia a um jantar. O
professor consentiu. Tendo chegado à vivenda do comerciante, o médico foi
conduzido a um recinto elegante, onde encontrou uma bela esposa e dois filhos
saudáveis. Ele mal conseguiu reprimir o espanto ao receber a tão cordial recepção
de uma família que ele pensava não conhecer.
Depois do jantar, o
comerciante, levando-o ao escritório de contabilidade, disse:
— O senhor não se lembra de
mim? O senhor é o meu benfeitor. Eu sou a pessoa que recobrou a vida em seu
armário, e a quem o senhor devotou tanta atenção. Ao me separar de meu protetor,
fugi para a Holanda. Eu escrevia bem e conhecia os princípios da contabilidade.
E minha aparência era um tanto aprazível. Prontamente, consegui um emprego como
balconista de um comerciante. A minha conduta exemplar e o meu zelo pelos
interesses de meu patrão me granjearam não apenas a sua confiança, mas,
igualmente, o amor de sua filha. Ao aposentar-se o patrão, eu o sucedi nos
negócios, e tornei-me o seu genro. Se não fosse pelo senhor, no entanto, eu não
teria vivido o bastante para experimentar todos estes deleites. De agora em
diante, contemple minha casa, minha fortuna, e, sobretudo a mim, que estou à
sua disposição.
Aqueles que possuem a mínima
porção de sensibilidade podem facilmente concentrar em si mesmos os sentimentos
que dominaram Junker.
Fonte: “Apparitions;
or, The Mystery of Ghosts, Hobgoblins, and Haunted Houses Developed”, Lackington,
Allen, and Co., Londres, 1815.
Essas historias tem direitos autorais?
ResponderExcluirSim, mas apenas no tocante à tradução.
ExcluirEntao se eu quisesse narrar alguma historia daqui no youtube, nao da ne?
ExcluirDá, sim. Se a traduçãp for minha, você está autorizado. Basta indicar a autoria da tradução. Já se for uma obra de autor vivo, entre em contato comigo que eu pedirei ao autor a autorização.
Excluiraqui é o Roger, o arquiduque das sombras, o mago da cidade azul! Este conto tem o título muito bom, chama a atenção, e a ilustração, assustadora. Vou ler, depois comento de novo aqui.
ResponderExcluirmuito bom!
ResponderExcluir