O MESTRE E SEU APRENDIZ - Conto Clássico de Terror - Joseph Jacobs
O MESTRE E SEU
APRENDIZ
Joseph Jacobs
(1859 – 1926)
Tradução de Paulo Soriano
Vivia,
no Norte do país, um homem muito instruído.
O
mestre conhecia todas as línguas sob o Sol, além de todos os mistérios da
Criação. Tinha ele um grande livro, encadernado com pele de bezerro negro, com
bordas e ferrolho de ferro, que permanecia sempre acorrentado a uma mesa presa
ao pavimento. Para ler aquele livro, o mestre o abria com uma chave de ferro, e
somente ele — e mais ninguém — acedia à obra, pois esta continha todos os
segredos do mundo espiritual. O livro dizia quantos anjos havia no céu, como
eles marchavam em suas fileiras, como entoavam as suas canções, quais eram os
seus múltiplos misteres e qual era o nome de cada poderoso anjo. E falava,
também, dos demônios, dizendo quantos deles havia, e quais eram seus vários
poderes, seus afazeres, seus nomes, como poderiam ser invocados, como era
possível impor-lhes tarefas e como os demônios poderiam ser acorrentados para
servirem de escravos aos seres humanos.
O
grande mestre tinha um aprendiz — um jovem simplório —, que lhe servia de
ajudante. Ao rapaz era proibido consultar o livro preto e mesmo penetrar no
privado ambiente onde a obra ficava.
Certo
dia, tendo o mestre viajado, o rapaz, cheio de curiosidade, correu à câmara
onde o sábio guardava seus maravilhosos instrumentos para transformar cobre em
ouro e chumbo em prata, onde estava o espelho no qual o erudito podia ver tudo
o que se passava no mundo, e o sítio onde ficava a concha marinha que, quando
encostada ao ouvido, sussurrava todas as palavras ditas por quem o mestre
desejasse escutar.
O
rapaz tentou, em vão, transformar cobre e chumbo em ouro e prata nos cadinhos;
por conta da nuvem de fumaça que pairava sobre o espelho, turvando-lhe a visão,
o aprendiz consultou — insistente e inutilmente — aquela lâmina extraordinária;
e a concha, quando o jovem a levou ao ouvido, produziu apenas murmúrios
indistintos, como o marulho de mares distantes em uma praia desconhecida.
—
Nada posso fazer — disse ele —, porque desconheço as palavras mágicas que devem
ser pronunciadas. Elas, contudo, estão enclausuradas naquele livro negro.
Olhou
em volta e — vejam só! — notou que o livro estava destravado. O mestre tinha
esquecido de trancá-lo antes de sair!
O
jovem correu até o livro e o abriu. O volume estava escrito com tinta vermelha
e preta, e grande parte do que o pupilo via lhe escapava ao entendimento.
Então, colocou o dedo em uma linha e leu, em voz alta, algumas palavras.
Imediatamente,
a sala mergulhou na escuridão. A casa tremeu. Um ribombar de trovão ressoou
pelo corredor e pela velha sala e, diante do pupilo, surgiu uma forma horrível,
hedionda, que cuspia fogo, e cujos olhos brilhavam como lamparinas em chamas.
Era o demônio Belzebu, a quem ele havia invocado para servi-lo.
—
Ordene-me uma tarefa! — disse o demônio, cuja voz soava como o rugido de uma
fornalha de ferro.
O
aprendiz estremeceu e os seus cabelos puseram-se em pé.
—
Ordene-me uma tarefa — disse o demônio — ou eu vou estrangulá-lo!
Mas
o rapaz não conseguia falar. Então o espírito maligno aproximou-se e,
estendendo as mãos, tocou-lhe na garganta. As garras demoníaca queimaram-lhe a
carne.
—
Ordene-me uma tarefa!
—
Ponha água nas flores — gritou, desesperado, o rapaz, apontando para um gerânio
que estava em um vaso, no chão.
Instantaneamente,
o espírito maligno deixou a sala, retornado com um barril apoiado nas costas.
Tendo derramado o conteúdo sobre a flor, foi e voltou diversas vezes, entornado
mais e mais água, até que o chão da sala subiu à altura dos tornozelos do
aprendiz.
—
Chega, chega! — gritou, ofegante, o rapaz.
Mas
a entidade maligna não lhe dava atenção. O jovem desconhecia as palavras para
mandar embora o demônio, que continuava a apanhar mais e mais água.
A
água subiu ao joelho do rapaz e o demônio não parava de entornar mais água no
ambiente. O líquido chegou à cintura do aprendiz, mas Belzebu não cansava de
trazer novos barris cheios d’água. Quando a água lhe tocou as axilas, o rapaz
subiu à mesa. Agora, na sala, a água tocava a janela, forçando-lhe a vidraça, e
girava, como redemoinho, em torno dos pés do aprendiz, que permanecia sobre a
mesa. O nível da água subia e subia, atingindo o peito do rapaz. Em vão, ele
gritava. O espírito maligno permanecia incansável e, até hoje, estaria
derramando água, afogando toda Yorkshire, se não o impedissem.
Mas
o mestre, enquanto viajava, lembrou-se de que não havia trancado o livro; assim
advertido, retornou à casa, e, quando a água já ascendia ao queixo do aluno,
correu para o quarto e disse as palavras que lançaram Belzebu de volta ao
inferno ígneo.
Fonte: English Fairy
Teles, 1890.
Ilustração: Adamir
Sefwick (https://sefwick.wordpress.com/2014/12/23/the-master-and-his-pupil/).
Ilustração do miolo:
John D. Batten (1860 – 1932).
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