A IMAGEM DE ARGILA - Conto Clássico Sobrenatural - Pu Songling

 

A IMAGEM DE ARGILA

Pu Songling

(1640 - 1715)

 

Às margens do rio I vivia um homem chamado Ma. Ele desposou uma jovem da família Wang, com quem foi muito feliz em sua vida conjugal.

Tendo Ma morrido jovem, os pais de sua jovem mulher não queriam que ela permanecesse viúva; a garota, contudo, resistiu a todas as insistências, e declarou, firmemente, que nunca mais se casaria.

— Admito que é uma decisão que somente cabe a ti — argumentou a sua mãe. —Mas ainda és apenas uma garota e não tens filhos. Além disso, bem sei de uma coisa: as pessoas que se lançam a determinações tão rígidas sempre acabam fazendo algo inacreditável; assim, vejo que é melhor que tu te cases o quanto antes. Casar-se novamente é o que sempre ocorre com viúvas jovens como tu.

 A moça jurou que preferia morrer a casar-se novamente. À mãe, portanto, restou apenas deixá-la em paz.

Sucedeu que a jovem viúva mandou fazer uma imagem de barro, fiel ao marido morto. Sempre que ela ceava, punha carne e vinho diante da imagem, como se seu marido realmente lá estivesse.

Certa noite, estava prestes a se recolher, quando, de repente, viu a imagem de barro crescer e descer da mesa. A estátua ganhou, gradativamente, altura, até chegar à dimensão de um homem. E a jovem viu, diante de si, nada menos que o próprio marido. Assustada, chamou a mãe, mas a imagem a deteve, dizendo:

— Não faças isso! Apenas exibo a minha gratidão por teu afetuoso zelo para comigo, e, ademais, o além-túmulo é sempre frio e desconfortável. A tua devoção lançou luz sobre as gerações passadas; quanto a mim, fui ceifado em minha juventude em razão dos malefícios paternos. Como o meu pai foi condenado a ficar sem herdeiros, eu fui autorizado, em razão de tua conduta virtuosa, a visitá-la novamente, para que nossa antiga linhagem possa seguir adiante.

 Todas as manhãs, ao cantar do galo, o marido retomava a forma e o tamanho habituais da imagem de barro; e, depois de um tempo, ele disse à esposa que a hora de separação havia chegado. Assim, o marido despediu-se de sua mulher.

 Passado pouco tempo, para grande espanto de sua mãe, a jovem mulher deu à luz um filho, circunstância que provocou comentários mordazes entre os vizinhos, que ouviram falar daquela excepcional concepção.  E, como a própria moça não podia provar o que alegava, um oficial de justiça local, que guardava uma antiga mágoa contra o marido, participou o ocorrido ao magistrado. Após algumas investigações, o magistrado exclamou:

— Ouvi dizer que os filhos de espíritos desencarnados quase não têm sombra; e que aqueles que a têm em abundância não são genuínos.

 Levaram, então, o filho de Ma para o sol e — eis!  — havia apenas uma réstia muito fraca, como um tênue vapor, projetada sobre o chão.

O magistrado, então, coletou uma porção de sangue da criança e o espalhou na imagem de barro; a imagem, prontamente, absorveu o sangue e, sobre ela, não restou uma mancha sequer. 

A história da jovem viúva foi, assim, reconhecida como verdadeira; e, quando a criança cresceu, notou-se que todos os seus traços reproduziam a figura do falecido Ma. Não restou, pois, o mínimo espaço às infundadas suspeitas.

 

Versão em português de Paulo Soriano a partir da tradução inglesa de Hebert Giles (1845 – 1935).

Comentários

Postar um comentário

Postagens mais visitadas deste blog

A MÁSCARA DA MORTE ESCARLATE - Conto de Terror - Edgar Allan Poe

O RETRATO OVAL - Conto Clássico de Terror - Edgar Allan Poe

O GATO PRETO - Conto Clássico de Terror - Edgar Allan Poe

A GRANJA ASSOMBRADA DE GORESTHORPE - Conto Clássico de Terror - Arthur Conan Doyle